Rastreio Auditivo Neonatal Universal (RANU)
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018
O que é?
O Rastreio Auditivo Neonatal Universal (ou RANU) consiste na deteção precoce de surdez no recém-nascido.
A audição é uma ferramenta extremamente importante para o desenvolvimento da criança, contribuindo para o seu relacionamento com o meio envolvente, social e escolar.
Estima-se que, em 1000 recém-nascidos saudáveis, 1 a 3 apresentem surdez, sendo que a incidência aumenta para 20 a 40 casos se considerarmos recém-nascidos de alto risco.
Neste sentido e de acordo com os protocolos existentes, o RANU deve ser realizado em todos os recém-nascidos, permitindo:
- uma deteção precoce da surdez (antes dos 3 meses de idade) e
- uma intervenção/ reabilitação adequada antes dos 6 meses de idade.
Como se faz o RANU?
O RANU é efetuado com o recurso a 2 tipos de testes:
- OEA ou Otoemissões Acústicas que consistem na recolha da resposta do ouvido interno a um estímulo sonoro emitido por uma sonda, colocada no canal auditivo do bebé.
- PEAa ou Potenciais Evocados Auditivos automáticos, idênticos aos anteriores, no entanto a recolha da resposta é feita através de elétrodos colados na cabeça do bebé.
Ambos os testes são indolores, seguros e fáceis de executar, não necessitando da colaboração ativa da criança. A sua aplicação requer apenas um ambiente calmo e silencioso.
Resultados
PASS - significa que, no momento, a audição do bebé é normal.
Ainda que, no futuro, possa vir a adquirir perda auditiva - quer por infeções, traumatismos ou outras causas desconhecidas. A audição deve continuar a ser vigiada!
REFER - significa que não foi possível detetar a resposta proveniente do ouvido interno.
Vários fatores podem contribuir para este resultado, nomeadamente a criança estar agitada, existirem secreções no canal auditivo externo ou líquido dentro do ouvido médio. Pode também querer dizer que o bebé não tem uma audição normal. Assim, o exame deverá ser repetido num período não inferior a 15 dias.
Indicadores de risco para surdez
- História familiar de deficiência auditiva congénita;
- Peso ao nascer inferior a 1500g;
- Infeção congénita;
- Anomalias craniofaciais;
- Índice de Apgar de 0 - 4 ao 1º minuto ou 0 - 6 ao 5º minuto de vida;
- Meningite bacteriana;
- Hiperbilirrubinémia (Icterícia) com valores no sangue indicativos de exsanguíneo-transfusão ("transfusão" de sangue que reduz o nível de bilirrubina);
- Ventilação mecânica por período igual ou superior a 5 dias;
- Exposição a medicação ototóxica (tóxica para os ouvidos) por mais de 5 dias;
- Síndromes associadas a perda de audição.
Fases do RANU
Bebés sem indicadores de risco para surdez
BSIJ - Boletim de Saúde Infantil e Juvenil
ORL- Otorrinolaringologia
Bebés com indicadores de risco para surdez
Dicas importantes:
- No dia do exame não coloque creme ou loção no rosto do bebé;
- O exame é rápido, mas a criança deve estar tranquila (de preferência a dormir) para que o resultado seja fidedigno;
- Se o seu bebé nasceu e não fez RANU, por favor entre em contacto com os serviços de Pediatria ou ORL do Hospital a que pertence. O rastreio é gratuito!
Inês Martins
Brócolos
terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
Autismo, esse enorme molho de brócolos!
Tudo se comenta, tudo se investiga, em tudo se dá palpites e com facilidade criticamos o modo como os outros educam os seus filhos. E assim vivemos e assim criamos os nossos filhos. O mundo ideal seria um gigante e delicioso molho de "brócolos"! Toda a gente sabe que "brócolos" fazem muito bem, por isso o ideal é comer "brócolos"! Mas, como fazemos uma criança autista gostar de "brócolos"?
O Miguel sempre teve interesses intensos, que duram uns meses e quando pensa que o seu conhecimento está saciado, passa para o seguinte. Com 2 anos rodava objetos, com 3 carregava um saco com letras e números. Quando já os sabia de trás para a frente vieram os dinossauros em latim e com 4 anos conheceu o iPad e a língua inglesa. Parecia filho de emigrantes! 😊 Aos 5 aprendeu a ler sozinho, perdia horas a construir pistas de berlindes e a ouvir vídeos de receitas de culinária brasileira. Depois vieram os escorregas aquáticos, os ovos de chocolate a abrir, os comboios, as linhas de metro de várias cidades. Quase todos os seus interesses foram e são estranhos ou desadequados para a idade. O ideal seria ele brincar na natureza, jogar pouco consola porque cria dependência, ficar longe do telemóvel do Pai, brincar com jogos educativos, construir legos, puzzles, desenhar, brincar ao "faz de conta". O ideal era ele gostar de "brócolos"!!
Vivemos todos com uma aspiração ao mundo ideal, mas o autismo ensinou-me que ele não existe, que não existem Pais perfeitos, que não somos todos iguais e com a maior certeza de todas, não temos que gostar todos de "brócolos" só porque fazem bem!
Brincar na natureza é maravilhoso, estimula a criatividade, a motricidade, treina os sentidos, mas um bom jogo na consola com o Pai faz desenvolver o raciocínio, a motricidade fina, os afetos... e um telemóvel dado para a mão, na hora certa, pode evitar uma birra daquelas que só quem tem filhos autistas conhece. Brincar com legos construindo uma rede de metro de um país qualquer, porque não?! E ser chefe de cozinha e preparar o jantar, seguindo as instruções de uma brasileira no Youtube? Sou da opinião que tudo feito de um modo controlado, sem excessos, nos dá muitos progressos no desenvolvimento de uma criança autista. Travar obsessões sim, mas tirar partido dos interesses para alavancar a superação das suas dificuldades. Tenho provas de que resulta! 😊
Contudo, o ideal seria ele gostar de "brócolos", daqueles super saudáveis, porque eu como Mãe que ama o seu filho sei que "brócolos" fazem bem e eu quero o melhor para ele! Mas agora pergunto eu:
Que graça tem "brócolos"?
Make a story and smile
Inês Martins
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018
Inês Martins nasceu a 1 de outubro de 1989 e é Audiologista.
Licenciou-se na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra, em 2011 e desde então trabalha na área de diagnóstico audiológico.
Atualmente é a responsável pelo Rastreio Auditivo Neonatal de todos os bebés do Centro Hospitalar Lisboa Central e, mais recentemente, trabalha também a área de Processamento Auditivo Central, no Hospital Dona Estefânia.
Trabalha também no Centro Clínico da GNR e na Clínica da Linha, em Paço de Arcos.
Trabalha também no Centro Clínico da GNR e na Clínica da Linha, em Paço de Arcos.
A perda neonatal
quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
Dizer adeus...
A morte de um bebé a seguir ao parto ou após algum tempo internado numa unidade neonatal (por prematuridade ou outra situação clínica) traz uma dor emocional profunda, muito mais duradoura do que o que se poderia imaginar. Não "dói" menos do que a morte de um filho numa idade mais tardia. A exigência do internamento, que confronta os pais com a angústia de uma morte antecipada, as poucas (ou nenhumas) memórias e experiências partilhadas, a impossibilidade de o poderem pegar ao colo, mimar, proteger, leva a que o processo de luto se desenvolva de uma forma mais complexa, em relação a um bebé que foi real, mas que continua a fazer parte do imaginário.
Maior será a dificuldade quando se trata de um nascimento gemelar ou trigemelar, em que apenas um dos gémeos morre. Aqui a vida e a morte estão lado a lado, dificultando uma despedida, porque se tem em simultâneo de canalizar toda a energia na esperança e na vida do(s) bebé(s) que se encontra(m) vivo(s).
Difícil também para os pais sentir que a sociedade, por vezes, não compreende o impacto da perda de um bebé, poucas horas ou semanas a seguir ao parto. Expressões como "era muito pequenino... se calhar foi melhor assim"... "se fosse mais tarde seria pior"... "logo voltam a engravidar", custam a ouvir, deixando os pais cada vez mais isolados na sua dor.
Por isso... não existem palavras para descrever a dor e devastação causada pela perda de um bebé. Sair do hospital com os braços vazios, chegar a casa e olhar para um quarto que já não pode ser vivido e festejado, representa para os Pais a perda de um futuro, dos seus sonhos e esperanças. Não só do bebé que se perdeu, mas também de outras perdas com enorme significado: de um projeto e de um sentido para a vida, a perda da maternidade/ paternidade e perda de autoestima.
Não se pode mudar a perda. A morte, que priva os Pais do seu bebé, não volta para trás. É necessário continuar por um caminho que é complexo e difícil para, aos poucos, se reaprender a viver com a ausência e a descobrir novos significados para a vida.
O caminho do luto
O modo como os Pais reagem à perda é único e individual e depende de vários fatores: da personalidade, da sua história de vida, culturais, religiosos e mesmo espirituais. Contudo, o desequilíbrio que resulta da perda leva-os a experienciar uma série de alterações de vida/ psicológicas após a morte do bebé, das quais não estavam à espera. Não há forma de as evitar e a sua vivência é necessária, fazendo parte de um processo dinâmico, longo, por vezes não muito claro, mas necessário para se curar a ferida.
- O que os Pais podem sentir
No início a maioria dos Pais podem sentir-se em choque e entorpecidos, especialmente nos primeiros dias após a morte do seu bebé. Vive-se uma espécie de pesadelo, de distanciamento emocional, onde é difícil entender e compreender o que se passa à sua volta. Podem reagir como uma espécie de "robots", tratando das várias tarefas que têm que ser feitas nessa altura: telefonar para a Família e amigos, organizar o funeral e as rotinas burocráticas.
As reações físicas acompanham a vivência emocional. Podem sentir palpitações ou dores no peito, um nó no peito que sufoca e não deixa respirar, sentirem-se agitados, confusos e desorientados. Se o bebé teve um longo internamento, é natural que se sintam ainda mais esgotados física e emocionalmente.
Depois os sentimentos afloram à superfície e é normal experienciarem tempos de grande angústia e tristeza. Podem chorar, mesmo quando não estão à espera, às vezes mesmo durante o sono. Podem sentir-se zangados, injustiçados com a vida, revoltados e procurarem o isolamento. Podem ainda sentir que perderam a confiança e a autoestima, que dececionaram o bebé, o(a) companheiro(a) e a Família. As Mães em particular podem sentir-se culpadas e responsabilizar-se pela morte do seu bebé.
Os Pais têm o direito a sentir e expressar estas emoções. É um período intenso, mas necessário, pois não há forma de ultrapassar dado que a dor tem de sair. A dor vai e vem... vai e vem, sendo normal haver períodos de calma e normalidade e outros de tristeza. É importante que ela possa ser partilhada, sentida e expressa, para que depois a perda possa ser integrada.
A perda de um bebé cria imenso stress no casal. Pode ser muito difícil neste período apoiarem-se e compreenderem as reações e comportamento do outro. A perda e o luto que está a ser vivido influencia a capacidade das pessoas para lidar com todos os aspetos da vida diária. Torna-se difícil apoiar alguém quando se precisa também de ser apoiado.
Por fim, nesta caminhada acidentada, entre recuos e avanços, é possível integrar emocionalmente a perda e seguir em frente com as tarefas do viver. É possível redescobrir um novo sentido para a vida, novos significados, novas formas de olhar e estar. É esquecida? Não, apenas guardada num lugar especial. Às vezes, um aniversário, um evento familiar, um programa da TV... faz emergir um resquício de tristeza. É normal que possa aparecer em alguns momentos, para depois ser guardada com carinho nesse lugar especial. Muitos Pais dizem que a vida mudou, mas que se pode continuar a funcionar e descobrir um novo sentido para a vida.
O Luto pela perda de um bebé é uma caminhada longa, que provoca nos Pais uma dor intensa e complexa. A sua dimensão trágica e "fora do tempo" ameaça os Pais na sua função de parentalidade e no seu projeto de vida. É necessário aceitar a realidade da perda, experienciar a dor, para que depois possam seguir em frente e sejam capazes de continuar.
Não há forma de fugir a esta inevitabilidade. As emoções são guias que orientam no sentido da recuperação e na reconstrução de um novo equilíbrio. Quando estas emoções são inibidas, se são tão intensas que incapacitam, ou se encontram deslocadas para outras formas de mal-estar, significa que os Pias não estão a fazer adequadamente o luto da sua perda. Este pode tornar-se crónico, com consequências a nível individual (depressão e ansiedade), conjugal e na qualidade de vida em geral.
Algumas sugestões podem ajudar nesta caminhada:
- Vivam um dia de cada vez, sem exigirem demais de vós;
- Retirem tempo para se recuperarem emocional e fisicamente antes de tomarem decisões;
- Não se sintam pressionados pela Família e amigos a "seguirem em frente";
- Criar memórias e lembranças pode também ajudá-los a compreender o que significa a perda do vosso bebé;
- Se existirem outros filhos, não tenham medo de lhes explicar o que se passou e porque se sentem tristes. Eles ficam mais assustados e confusos quando são deixados de parte;
- Criem rotinas e atividades dentro daquilo que é possível;
- Procurem ajuda psicológica especializada quando a dor é incapacitante e não permite seguir em frente.
Lília Brito
A Tosse
quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018
A tosse consiste num mecanismo reflexo de defesa do organismo, desencadeado por irritação local ou acumulação de secreções nas vias aéreas. Este mecanismo permite proteger as vias aéreas contra a aspiração de substâncias ou corpos estranhos e secreções patológicas.
A tosse é apenas um sintoma pelo que é fundamental fazer o diagnóstico das causas deste sintoma.
Excluí deste apontamento causas raras da tosse, como as causas centrais ou neurológicas, sistémicas ou por compressão das vias aéreas. De entre as causas mais frequentes, a infeciosa, viral (rinofaringite) ou bacteriana (sinusite, pneumonia) e a alérgica (asma) são as mais importantes.
Não esquecer que nas crianças com idade inferior a 5 anos, a aspiração de corpos estranhos deve ser sempre pensada.
A tosse que surge em contexto de uma situação viral, cursa habitualmente com corrimento nasal aquoso, odinofagia (dor de garganta), por vezes lacrimejo e a febre é geralmente baixa. No entanto a febre alta e duradoura não exclui uma situação infecciosa viral. A tosse é desencadeada habitualmente pelo corrimento nasal posterior, pelo que é mais frequente durante a noite, quando a criança se encontra deitada.
Na laringite estridulosa, a tosse assume caraterísticas muito próprias e é frequentemente descrita pelos Pais como um latido. Pode ser acompanhada de estridor inspiratório ("apito" a inspirar).
Nas situações infecciosas bacterianas, a tosse é geralmente acompanhada de febre mais alta, sobretudo se houver já um envolvimento pulmonar. Nesta última situação podem ser também observados, sinais e sintomas de dificuldade respiratória como a sensação de falta de ar ou dispneia, a taquipneia (aumento da frequência respiratória), retração costal ou subcostal (as costelas ficam marcadas na pele, quando a criança respira), adejo nasal (as "asas" do nariz abanam durante a respiração) ou mesmo cianose (coloração azulada dos lábios).
A tosse de causa infeciosa é geralmente numa fase inicial, irritativa e depois rapidamente se pode tornar produtiva ou com expetoração.
A tosse alérgica ou em contexto de asma é geralmente seca e irritativa. Pode agravar para acessos com a atividade física ou esforço. Pode ser o único sintoma presente numa crise.
A tosse por aspiração de corpo estranho surge habitualmente em crianças com menos de 5 anos. Pode surgir após um episódio de engasgamento importante ou apenas como um sintoma persistente ao longo de semanas.
Os frutos secos e as pequenas peças de brinquedos são as causas mais frequentes. Muitas vezes pode não ter sido valorizado o episódio inicial de tosse.
A terapêutica da tosse depende da causa subjacente e do tipo de tosse, mas há alguns cuidados que são gerais e comuns a todas as situações.
Terapêutica:
- Não usar antitússicos (xaropes), exceto se prescrito pelo médico;
- Aumentar a administração de líquidos orais;
- Lavagem frequente das fossas nasais com soro fisiológico/ água do mar esterilizada;
- Atmosfera húmida;
- Descongestionante nasal;
- Evitar exposição a poluentes ou ao fumo do tabaco.
A criança deve ser observada pelo médico se:
- Menos de 3 meses de idade;
- Sinais de dificuldade respiratória (cianose, tiragem, aumento da frequência respiratória, adejo nasal);
- História de engasgamento;
- Expetoração purulenta (esverdeada ou efetivamente verde) ou com sangue;
- Estridor;
- Febre com duração superior a 3 dias;
- Tosse com mais de duas semanas de evolução;
- Emagrecimento;
- Vómitos;
- Dor torácica.
Os antitússicos não devem ser utilizados exceto se houver indicação médica. Alguns têm efeito no sistema nervoso central pelo que devem ser usados com cautela, se for o caso. Outros são expetorantes pelo que, em crianças pequenas, com dificuldade em tossir eficazmente podem levar ao aparecimento ou ao agravamento do quadro respiratório.
Os xaropes caseiros como o xarope de cenoura ou milho, chá de limão e mel (após 1 ano de idade) são calamnetes e podem sempre ser utilizados.
Alexandra Silva Couto
A Infertilidade e a Psicologia
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018
A atuação da Psicologia na Infertilidade tem sido abordada ao longo dos últimos anos num contexto biopsicossocial e cultural, numa articulação multidisciplinar, para dar resposta às necessidades parentais de uma maternidade cada vez mais adiada.
Partindo do pressuposto de que a Infertilidade é um problema comum ao casal uma vez que limita um projeto de vida a dois, admite-se a possibilidade de existirem certos fatores psicológicos implicados na capacidade reprodutiva, entre os quais se destaca particular importância para a ansiedade, stress e depressão, sendo que os mesmos poderão ser preponderantes quanto ao equilíbrio da satisfação de necessidades físicas e psíquicas e a sua imunidade face ao restabelecimento e regulação do próprio organismo.
A consulta psicológica não só procura estar orientada para uma abordagem breve ou pontual, como também possibilita através da sua intervenção diferenciada avaliar junto do casal, não só a motivação e expetativas do mesmo como também todos os pensamentos e emoções que se encontram implicadas na vivência da sua infertilidade, possibilitando ao mesmo tempo desbloquear situações, contextos, crenças onde a presença da culpa, ansiedade e frustração se fazem sentir presentes no dia a dia do casal.
Sendo que um dos objetivos propostos é o de ajudar o casal a desenvolver estratégias que lhes permitam gerir o stress e o seu impacto negativo, restabelecendo o equilíbrio emocional.
Tanto o homem como a mulher encontram-se expostos a níveis bastante elevados de stress, ansiedade e expetativas que nem sempre são ajustadas às fases de ciclo do processo de tratamento em Procriação Medicamente Assistida (P.M.A.).
Perante esta manipulação a que o casal está sujeito, existem reatividades também diferentes face à estimulação e fases do tratamento, provocando alterações físicas, hormonais e psíquicas, comprometendo o funcionamento e o equilíbrio do metabolismo, preponderantes no sucesso/ insucesso do processo terapêutico.
Contudo, a vivência interior da infertilidade ainda que possa ser semelhante entre os membros do casal, é por outro lado diferenciada, sobretudo como é expressada por parte do homem quando comparada com a da mulher e não necessariamente por haver um impacto emocional distinto sobre a sua limitação em conceber de forma natural.
Enquanto a mulher sente maior necessidade em partilhar a sua angústia, frustração e desesperança, o homem por sua vez apresenta uma maior tendência para a introspeção, não expondo tanto a sua preocupação e sofrimento através da verbalização daquilo que sente ou pensa face ao problema.
A maioria dos casais com problemas de infertilidade passa por uma experiência desgastante e muitas vezes devastadora do seu projeto de vida, a chegada de um filho.
Alguns casais, após sucessivas falhas nos tratamentos, costumam procurar suporte psicológico na tentativa de desenvolverem alguma assertividade, na procura de compreensão ou reconhecimento para com a sua dor.
Por vezes chegam mesmo a indiciar um compromisso emocional que espelha depressão, ansiedade, manifestando dificuldade em saberem lidar com a duração e a profundidade da tristeza que se instala e lhes retira esperança.
À semelhança de outro factor perturbador emocional, a infertilidade pode gerar dificuldades ao nível do entendimento e equilíbrio da relação, podendo ser necessário nesses casos uma intervenção mais ajustada (individual/ casal), tendo em especial atenção o diálogo, a partilha de medos e apelo à compreensão do parceiro para que consigam gradualmente restabelecer a sua afetividade e rotina, sendo que toda esta intervenção deverá ser feita numa abordagem breve de seguimento ou mesmo pontual, avaliando caso a caso, beneficiando a função da estrutura familiar e da relação.
Existem casais que ao recorrerem a técnicas de tratamento acabam por ter sucesso e outros que nunca conseguirão ter um filho, sendo que um dos papéis fundamentais do acompanhamento psicológico passa por ajudá-los a ultrapassar esta dura fase, aprendendo a lidar o melhor possível com esta situação com a melhor serenidade e aceitação.
Em muitos aspetos estes casais experienciam uma sensação de perda ou falta que até então nunca se tinham visto confrontados, focando o seu maior objetivo na maternidade, até porque na maioria não conseguem lidar tão bem com uma demanda que deveria ser natural e facilitadora de um amor, precisando de um apoio mais especializado e específico que os ajude na sua aceitação e que simultaneamente os direcione para outras metas e objetivos de vida que os faça reconhecer que existe vida para além de um projeto parental.
Por vezes ajudar o casal a aceitar e ultrapassar o facto de não conseguirem ter filhos poderá levar anos, mas também poderá ser até mais fácil se o casal sentir que já fez todos os possíveis, recorrendo a todas as técnicas que estiveram ao seu alcance e mesmo assim não conseguiram uma gravidez. É necessário que o casal reconheça os seus limites, ainda que não seja uma tomada de decisão simples, o facto de pensarem em parar os tratamentos, muitas vezes remete-os para novas possibilidades e liberta-o para seguir em frente com a sua vida.
Nestes casos o que reconhecemos em consultório é que o casal não se deixa vencer pelo cansaço ou pela desesperança, mas sim pela mudança de atitude e reestruturação cognitiva, que lhes permita a integração da ideia de uma vida sem filhos.
Na questão da infertilidade torna-se necessário ajudar o casal a tomar consciência desse desejo e a sua motivação temporal escutando-o ativamente face às suas dificuldades, opções de vida e culpabilização quanto à sua consciente participação em terem adiado este projeto de vida a dois e perante a sua "impossibilidade" de terem filhos no momento presente.
Por outro lado e de forma complementar, toda a compreensão proveniente do apoio familiar e de amigos podem nesta altura ser extremamente valiosos, no sentido em que os ajudará a desenvolver um novo suporte extensível, que os desvie gradualmente dessa dor, abrindo portas a novas e futuras perspetivas de vida.
Um outro aspeto importante que muitas vezes é trabalhado com os casais que nos procuram é que os mesmos reconheçam que a sua capacidade de conceber não deve, nem pode, afetar a forma como cada um se sente perante a sua identidade face à escolha de adiamento da parentalidade, nem a sua vida sexual.
Durante muito tempo, o maior enfoque sobre questões relacionadas com a infertilidade recaía na maioria das vezes na mulher, sem que o homem fosse devidamente avaliado.
Sabe-se que, hoje em dia, existem cada vez mais problemas de infertilidade relacionados com causas masculinas, sendo que os homens com problemas de espermatozóides experienciam maior índice de ansiedade e dificuldades emocionais devido, muitas vezes, à confusão que possuem entre o conceito de virilidade e fertilidade, não sendo a mesma coisa. Um homem que possui uma baixa contagem de espermatozóides, ou com mobilidade reduzida, continua a produzir níveis normais de testosterona, logo a sua masculinidade e potência sexual apresentam-se iguais às de qualquer outro homem que não tenha problemas relacionados com a sua fertilidade.
Por último, gostaria aqui de referir que a atuação do psicólogo deve ser uma presença complementar no apoio psicológico, integrado num processo multidisciplinar a todos os casais que vivenciam a infertilidade. A sua intervenção passará pela prestação de um acompanhamento mais interventivo perante a adaptação e a aceitação face ao impacto que a mesma possui no ciclo de vida daquele casal, bem como ao longo de todo o processo de tratamento em saúde reprodutiva, com o intuito de juntos estabelecerem estratégias, limites, apoiando as tomadas de decisão e a elaboração de novas metas e objetivos para a sua vida.
Ana Magina Silva
Ana Magina Silva
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018
O meu nome é Ana Magina Silva e sou Mestre em Psicologia Clínica e da Saúde (ISPA, Lisboa, 2010).
Frequentei a Pós-Graduação em Seleção e Recursos Humanos (ULHT, Lisboa), em 2007.
Sou CEO & Founder PsicoFértil, sediada em Lisboa e com início em 2010, sendo por isso responsável pelo Programa de Intervenção e Apoio Psicológico em Infertilidade.
Sou ainda membro da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução.
Centro grande parte da minha atividade profissional no trabalho em consultório, colaborando no desenvolvimento do projeto PsicoFértil, assumindo-se como uma iniciativa de divulgação e esclarecimento de informação sobre a abordagem psicológica da Infertilidade disposta a ajudar todos os casais na conquista pela Fertilidade.
Participei numa rubrica de TV "Pais&Filhos", numa peça sobre infertilidade, em 2016, designado "Tentar engravidar com ajuda médica".
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