A tendência para o comportamento de recusa alimentar se prolongar ou recair ao longo do tempo estará muito ligada a padrões relacionais desadequados que se estabeleçam entre a criança e a família nos momentos de refeição. De facto, ainda que de forma subconsciente, a criança e o adolescente poderão integrar o comportamento desadequado como estratégia apelativa e maladaptativa para lidar com as adversidades. Assim, importa que não seja permitida à criança a perceção de controlo sobre o adulto através do seu comportamento alimentar. Para o casal, será da maior importância a implementação de rotinas que assegurem oportunidades de diálogo, momentos imprescindíveis para uma adequada contenção emocional a dois e plena dedicação à sua criança.
Determinadas conjunturas relacionais e comportamentais constituem, portanto, causa frequente de dificuldades alimentares na infância. A estas se acrescentam, por exemplo, a má evolução ponderal por razões físicas ou sociais, a seletividade alimentar, a recusa alimentar por motivações não relacionadas com a imagem corporal (quadros emocionais, história de trauma), quadros obsessivo-compulsivos (com rituais em torno da alimentação), efeitos adversos de tratamentos farmacológicos (metilfenidato, por exemplo).
O eclodir da puberdade tenderá, posteriormente, a suscitar preocupações e angústias centradas no corpo, que sofre profundas alterações numa questão de meses, impondo inevitáveis e consecutivas adaptações ao adolescente. Como objeto de transação com o meio, enquanto instrumento de mediação no processo de ajustamento social e de autonomização em relação aos pais, faz sentido que alguns comportamentos patológicos se organizem em torno do corpo adolescente. As dismorfofobias (preocupações obsessivas com o corpo, que facilitam distorções da imagem corporal) são frequentes e até normativas, desde que transitórias e não prejudiquem substancialmente o funcionamento do adolescente. No entanto, alguns comportamentos poderão fixar-se e tornar-se patológicos, invadindo e transtornando o quotidiano. Podem girar em torno dos alimentos, das refeições e da atividade física e absorvem a disponibilidade do jovem.
Num cenário relacional e genético propício, o jovem confrontado com dificuldades difíceis de transpor poderá desenvolver uma Perturbação do Comportamento Alimentar (PCA). São os casos da Anorexia Nervosa (AN) e da Bulimia Nervosa (BN), entre outras. Tratam-se de perturbações psiquiátricas relativamente frequentes na adolescência e particularmente prevalentes nas sociedades que tendem a sobrevalorizar o culto do corpo. Caracterizam-se fundamentalmente pela motivação obsessiva para perder peso ou ganhar peso e investem-se dum leque de estratégias direcionadas a tal objetivo. Poderão acompanhar-se por um rol de manifestações físicas e psicológicas, que importa identificar: estados depressivos e ansiosos, pensamentos obsessivos relacionados com a imagem corporal, sintomas associados aos diferentes aparelhos e sistemas com queixas de âmbito digestivo, cardiovascular, endocrinológico, dermatológico, cognitivo, etc. Na adolescência, as fronteiras entre AN e BN poderão ser mal definidas e não é rara a alternância entre ambas no mesmo jovem.
A AN desenvolve-se habitualmente durante a adolescência, afirmando-se como a principal causa de perda de peso no género feminino e o principal motivo para admissão em internamento pedopsiquiátrico. Além da típica apresentação, haverá entre os rapazes uma percentagem considerável em que a temática se traduz na busca pelo corpo musculado, mais do que pelo corpo magro. A distorção da imagem corporal mantém uma permanente convicção de excesso de peso, agravada pela habitual ausência de crítica. Irredutíveis perante os argumentos angustiados de familiares e amigos, estes jovens doentes encerram-se e protegem os seus hábitos patológicos sob um manto de indiferença e superficialidade. A perda de peso abrupta e a carência nutricional em momentos críticos do desenvolvimento físico e psicológico podem determinar sequelas a médio e longo prazo. A mortalidade da AN é consideravelmente superior à da população geral, sendo inclusivamente das principais causas de morte nos adolescentes, tanto como consequência dos danos físicos (normalmente hidroeletrolíticos e cardiovasculares), quanto por consequência nem sempre pretendida de gestos suicidários. Todas estas noções tornam premente a avaliação imediata por equipa especializada e o internamento poderá ser equacionado, com vista à reabilitação nutricional, ao gradual restabelecimento da crítica e à corresponsabilização do doente e sua estrutura familiar. A angústia e a frustração são compreensíveis e o tratamento poderá revelar-se um processo lento e difícil, pautado por avanços e recuos. No entanto, importa perceber que elevados níveis de emoção expressa podem tornar a recuperação mais difícil. Assim, as famílias devem ser ajudadas a lidar com emoções negativas e atuar com compreensão, calma e assertividade. A renutrição adequada permitirá recuperação considerável da maior parte dos sintomas, permitindo igualmente melhorar a disponibilidade para as intervenções psicoterapêuticas.
A idade de início da BN é sobreponível à da AN, mas o diagnóstico é habitualmente mais tardio, ocultado sobretudo pela manutenção do peso em parâmetros normais. Estima-se que cerca de 12% das adolescentes enfrentem pelo menos uma forma transitória de BN, sendo a prevalência no sexo masculino mais difícil de apurar. Revela-se pelos comportamentos de binge eating (episódios de ingestão de grandes quantidades de comida num curto intervalo de tempo), seguido de comportamentos de purga (vómitos, laxantes, etc), sensação de enfartamento e culpabilidade, podendo acompanhar-se de um leque variado de manifestações: sintomas emocionais, fadiga e queixas inespecíficas, irregularidades menstruais, queixas de âmbito neurológico, etc. Compreensivelmente, verifica-se um declínio substancial do funcionamento sociofamiliar e ocupacional.
Não haverá chave para o sucesso que não pressuponha uma abordagem multidisciplinar, em estreita comunhão com a família e com o próprio adolescente. Especialidades e valências como a Pedopsiquiatria, a Pediatria, a Enfermagem, a Nutrição e a Psicologia são alguns dos intervenientes habituais. Será, igualmente, da maior pertinência incluir a escola nesta equação, promovendo uma atmosfera de consciencialização, que aborde ativamente e sem estigmatização este tema, possibilitando uma deteção atempada dos casos nos diferentes contextos de vida dos jovens.
Vítor Ferreira Leite
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