A preparação para a parentalidade deverá começar antes da chegada de uma gravidez. Idealmente deverá iniciar-se com uma reflexão individual sobre qual o significado pessoal do que é ser mãe e ser pai e qual o significado pessoal do que é ter um filho.
Podem colocar-se questões do tipo: Quero ou não ter filhos? O que é para mim ser mãe/ pai? Porque faz sentido ser mãe/ pai? Será porque a sociedade pressiona? Será porque o meu (minha) companheiro (a) quer? Será só porque sim ou porque é suposto? ...
Alguns dos motivos para se ter filhos podem ser, por exemplo:
- Realização pessoal: sonhar que uma criança complementa o universo familiar;
- Gostar de crianças e querer cuidá-las;
- Religião: o sexo com a função de procriação;
- A visão da Mãe com o amor incondicional: modelo de comportamento admirado e idealizado;
- Medo do futuro; arrependimento, ter alguém que possa ser cuidador;
- Valores morais e éticos: segundo o modelo considerado adequado pela sociedade, a vida só teria sentido quando se cria uma família com filhos;
- Realizar-se por meio dos sucessores: querer dar aos filhos o que não teve ou ganhou dos pais, assim como projetar expetativas e sonhos não realizados numa criança;
- Projeto para a vida: ser bem-sucedido profissionalmente, comprar um apartamento e tornar-se Pai ou Mãe. (Há casais que planeiam todos os detalhes do futuro, incluindo o projeto de ter filhos, ...)
- Simplesmente querer: há pessoas que nunca pensaram na hipótese de viver sem ter filhos e, desde pequenas, sabem que um dia os querem ter. (Necessidade biológica e/ ou psicológica.)
Alguns motivos para não se ter filhos são, por exemplo:
- Simplesmente não querer;
- Querer viver em função de si próprio;
- Não estar disponível para mudanças e novas rotinas;
- Querer atenção exclusiva do (a) companheiro (a): há casais que sentem dificuldade em dividir o amor com outro, mesmo que seja com um filho;
- Querer evitar erros do passado: "Pessoas traumatizadas pela separação conjugal dos pais querem que os possíveis filhos não venham a sofrer desilusões como as que passaram";
- Ter medos físicos da dor associada ao processo;
- Temer não ser um bom Pai ou Mãe;
- Priorizar a carreira;
- Não gostar de crianças e como tal não se imaginar cuidador (a);
- Não querer a perda de liberdade.
Não importa qual a decisão tomada nesta matéria. Não é por aqui que se define a qualidade das pessoas. O importante é que a decisão de ter ou não ter filhos seja em função daquilo que se sente e deseja profundamente. Está é a primeira premissa para a preparação para a parentalidade.
Genericamente podemos considerar a existência de três momentos chave para esta preparação:
1. Antes de uma gravidez: este seria o momento ideal; que a gravidez decorresse de um desejo refletido e amadurecido e que o seu aparecimento permitisse uma continuação coerente e consistente da preparação para se ser Pai/ Mãe.
2. Na gravidez:
- na comunidade do tal desejo/ planeamento prévio ou,
- quando esta não foi planeada naquele momento da vida (preparação por vezes bem mais exigente).
3. Sempre, desde que se têm filhos, porque a cada etapa do seu desenvolviemnto é necessário ajuste e adaptação.
Muitas vezes, quando se pensa na preparação para a chegada de um filho, pensa-se no enxoval do recém-nascido, no quarto, no berço, na roupa e nos outros objetos materiais que precisam estar disponíveis.
Menos vezes se pensa em ser pais preparados para criar e educar uma criança num ambiente emocionalmente gratificante e estável.
É mais importante uma compreensão de si mesmo, uma consciência de si próprio e das suas características, uma consciência do seu equilíbrio emocional... Se vamos criar/ educar uma nova pessoa, devemos saber em que condições nos encontramos, em que fase do nosso processo de formação e desenvolvimento estamos e o que precisamos melhorar.
Não podemos esquecer, NUNCA, que o bem-estar emocional dos pais leva à SAÚDE MENTAL dos filhos.
Preparar a parentalidade antes da gravidez remete-nos para o planeamento familiar (PF).
O PF é o direito que se tem de decidir se se quer ter filhos, quando se quer tê-los e quantos filhos se quer ter (o Estado deve ser responsável por garantir informações de fácil acesso, apoio, educação, métodos contracetivos e consultas médicas à família).
Se a decisão for avançar para a parentalidade, o PF ajuda a refletir e dialogar no casal sobre as responsabilidades de cada um antes, durante e após a chegada do filho.
O planeamento de uma gravidez deverá permitir ao casal ir progressivamente interiorizando e amadurecendo o papel que os espera (refletir e falar abertamente sobre as suas dúvidas, receios e medos - normais), com a noção de que a parentalidade lhes vai exigir disponibilidade e resistência psicológica (e não só económica).
Por vezes, é inexistente um planeamento psicológico da gravidez ajustado (exp.: ocorrência de uma gravidez inesperada e inconsequente, a decisão num período de vida errado, como por exemplo, numa fase de luto). Estamos no terreno das gravidezes em situação de risco psicológico onde pode ser importante uma ajuda psicoterapêutica.
A este propósito diz-nos Eduardo Sá, em 2017: "Importa evitar uma «gravidez na barriga» que se desencontra da «gravidez no pensamento»."
Preparar a parentalidade na gravidez pode acontecer na continuidade do projeto parental prévio, onde o desejo de gravidez decorre amadurecido e refletido como vimos atrás. Mas, se a gravidez não foi planeada (ou foi de forma pouco consistente), o desafio desta preparação é maior e com mais possibilidade de risco psicológico.
Poderão viver-se momentos sensíveis, a partir dos quais se pode desenvolver um trabalho terapêutico no contexto multidisciplinar através de consultas pré-natais, concorrendo para a consolidação dos processos de gravidez e consequente parentalidade.
Caberá aos profissionais estarem atentos à disponibilidade dos pais para a parentalidade, observando igualmente a qualidade da relação do casal e a forma como cada um deles vivencia este processo. Desta atenção decorre, para além da vigilância obstétrica:
- Informar sobre as alterações e fragilidade normais de uma gravidez (na mulher, no homem e no casal);
- Valorizar a comunicação entre eles e com os profissionais disponíveis;
- Facilitar a presença do companheiro, sempre que o casal solicite (em caso de exames e consultas pré-natais).
- Introduzir o bebé - referir (qb) a importância de ambos comunicarem com o bebé in utero (acariciar, conversar, imaginar);
- Incentivar a presença em cursos de preparação para o parto;
- Dinamizar visitas à maternidade;
- Divulgar informação escrita concisa e atraente sobre apoios familiares, aspetos pediátricos, psicológicos, jurídicos... antes do nascimentos obstétrico do bebé;
- Informar sobre as características e exigências do parto e do puerpério (principalmente quando não frequentam os cursos de preparação para o nascimento);
- Alertar para as alterações normais do pós-parto e para os fatores de risco para a depressão pós-parto;
- Alertar para que é comum que o Pai se sinta excluído e inseguro (podendo inclusive desenvolver também ele uma depressão pós-parto);
- Mostrar disponibilidade para esclarecer/ clarificar/ apoiar na nova fase e nos desafios da parentalidade;
- Alertar para que atualmente há muita literatura que pode facilitar o processo, mas também que entre a teoria e a prática há algumas diferenças;
- Tranquilizar relativamente à importância do bom-senso, do processo de aprendizagem e do autoconhecimento que decorre deste mesmo processo.
Importa ainda alertar para o super desafio: conciliar individualidade - conjugalidade - parentalidade.
Gostaria de terminar com algumas frases que ajudam a destruir mitos em torno da parentalidade e alertar para a importância do recurso a equipas de especialistas que podem ajudar, se necessário, a tornar mais prazerosa a preparação e a vivência da parentalidade:
- Nem todas os casais que ficam grávidos planeiam ser Mães/ Pais;
- Nem todos os filhos foram ou são desejados;
- Nem todas as mulheres grávidas se sentem belas e felizes com a sua gravidez;
- Nem todas as mulheres que planeiam uma gravidez se sentem, de facto, grávidas psicologicamente;
- Nem todas as mulheres que estão grávidas passam os nove meses como se fossem os melhores meses das suas vidas (o conhecido "estado de graça");
- Gravidez e Maternidade são duas realidades distintas, cujo desejo nem sempre é coincidente. Pode desejar-se ser Mãe e ter dificuldade em viver a gravidez enquanto processo biológico;
- Nem sempre os casais estão sintonizados no desejo de gravidez/ parentalidade.
Maria de Jesus Correia
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