O tempo passa a voar e, quase sem darmos por isso, já estamos quase, quase no Natal! Um dos temas que surge de modo recorrente nesta altura do ano é a relação entre o Natal e Montessori. O que é que faz sentido em Montessori, no que diz respeito ao Natal? Como incentivar as nossas crianças, mas também os nossos familiares, a terem uma atitude consciente nessa época festiva, que hoje em dua está mais influenciada pelo consumismo? De que forma resfriar o ímpeto consumista das nossas crianças, que são bombardeadas com o catálogo dos brinquedos de Natal dos supermercados, publicidade a brinquedos na televisão e incentivos de quase todo o lado para começarem a escrever a carta para o Pai Natal, leia-se lista de presentes?

Mas a verdade é que, em Montessori, gostamos de celebrações! Celebramos a vida, celebramos o crescimento, o caminho percorrido e explicamos às crianças o significado das datas especiais, enfatizando a importância de dar relevância aos momentos vividos, ao crescimento e às mudanças que ocorrem a cada passo do nosso caminho. É por isso que celebramos com tanto entusiasmo os aniversários, prestando atenção essencialmente a pequenas coisas, que nos passam ao lado se não prestarmos atenção a elas todos os dias. Vemos as crianças ainda mais felizes nesse dia, em que cada uma delas sente, mais uma vez, o quanto é especial e única!


Acredito, por isso, que adotando essa filosofia de vida que se foca no aspeto afetivo e relacional das coisas conseguimos transmitir às nossas crianças aquilo que realmente é importante: o Natal, como qualquer outra celebração, é uma celebração de amor, de partilha, de proximidade, que deveria estar presente nos nossos dias, todos os dias, mas que nessa altura do ano é ainda mais enfatizada. Não significa que as crianças não podem receber presentes de Natal, mas acredito que resfriamos o impulso consumista delas se as conseguirmos focalizar noutras dimensões. 

Outra questão muito ligada ao Natal e que faz sentido também colocar, tem a ver com o imaginário: devemos alimentar nas nossas crianças a crença na existência do Pai Natal? Essa é outra questão sensível e que não se esgota no Natal, mas também se aplica à Fada dos Dentes, ao Coelhinho da Páscoa, ...

Maria Montessori tinha uma posição muito clara em relação à fantasia nas crianças. Num dos seus livros, "A pedagogia científica" escreve o seguinte: "Nos países anglo-saxónicos, o Natal é um velhinho coberto de neve, que tem dentro de um cesto enorme brinquedos para as crianças, entrando durante a noite na sua casa. Como pode o fruto da nossa imaginação desenvolver a imaginação das crianças? Apenas nós imaginamos, eles não, eles acreditam, não imaginam (...). É mesmo a credulidade que queremos desenvolver nas nossas crianças? (...) Somos nós que nos divertimos com a festa de Natal e com a credulidade da criança.

Lendo esse excerto parece bastante clara a perceção de Maria Montessori de que devemos evitar recorrer ao tema do Natal para nutrir a fantasia nas crianças pequenas. Contudo, emquanto educadores de crianças, devemos levar a nossa reflexão mais longe. No meu caso, e tendo observado já ao longo dos anos as diversas facetas dessa crença, apercebi-me diversas vezes que algumas crianças sentem até algum medo do Pai Natal, principalmente as mais pequenas. Quando as crianças são sentadas no colo daquele senhor que não conhecem, de longas barbas brancas e que lhes parece enorme durante alguns momentos para tirar uma fotografia... e ainda lhes dizemos que é aquele senhor vestido de vermelho que vai entrar nas nossas casas a meio da noite de Natal. 

Por outro lado, é também comum cedermos à tentação de "negociar" o bom comportamento das nossas crianças com afirmações do género: "Se não te portares bem, o Pai Natal não te dá prendas!" ou "Olha que o Pai Natal vê e ouve tudo!" ou ainda "Tens a certeza que este ano mereces as prendas do Pai Natal?".

O que transmitimos às nossas crianças é que o Pai Natal é como se fosse um juiz que sabe melhor do que os outros (leia-se pais) aquilo que a criança merece... A expressão "merecer", por si só, levanta também imensas reticências numa pedagogia em que se defende a importância da autoeducação da parte e a ausência de recompensas e de castigos. Se nos colocarmos no papel da criança, chegamos facilmente à conclusão que nada disso é muito coerente, nem tranquilizador. 

Mas então, o que desenvolve na criança o mito do Pai Natal?

Debrucei-me sobre o assunto e encontrei um vídeo muito interessante, publicado por um site chamado "20 minutes", em que o jornalista diz, a propósito do Pai Natal: "(...) ele transmite à criança magia e fantasia, alimenta o imaginário das crianças para quem a relação com a realidade não está ainda formada". Da Psicologia e do conhecimento do desenvolvimento infantil, sabemos também que antes dos 4/ 5 anos de idade, a criança não distingue a realidade do imaginário. 

A grande questão reside então no nosso papel de educadores: faz parte do nosso papel alimentar a imaginação da criança fazendo com que acredite em qualquer coisa? As nossas crianças não são capazes já, por si mesmas, passada essa idade, de inventar as suas próprias histórias?


Uma psicóloga, Anne Bacus, enuncia por sua vez diversos problemas relacionados com a crença no Pai Natal, alguns dos quais descrevo a seguir:

  • A confiança da criança nos seus pais: é uma história contada pelo Pai e pela Mãe, por isso naturalmente a criança acredita nela. Não devemos nunca perder de vista que a criança confia de uma forma incondicional nos seus pais;
  • A escolha dos presentes que damos: acabamos, algumas vezes, por atribuir a "culpa" ao pai Natal se a criança não recebe todos os presentes que desejou, quando na realidade essa escolha de não dar os presentes todos deveria ser assumida pelos pais, como uma escolha lógica de quem não pretende transmitir o lado material do natal aos seus filhos; 
  • A descoberta da verdade: quando a criança finalmente descobre que o Pai Natal não existe, poderá sentir-se enganada pelos pais e, nalguns casos, poderá ficar muito dececionada com os pais por a terem enganado durante anos. 

Tenho três filhos. Com os dois mais velhos fiz o mesmo que me fizeram a mim. Incuti neles a crença no Pai Natal, acreditando que isso tornaria o Natal mais mágico e especial. Tenho recordações fantásticas do Natal quando era criança, mas após uma profunda reflexão apercebo-me que as minhas melhores recordações pouco ou nada têm a ver com o Pai Natal. Lembro-me muito bem de decorar a casa com a minha irmã, de ir apanhar o musgo à floresta, com o meu Pai, que dedicava uma atenção especial ao presépio. Lembro-me das noites de Natal, do calor humano, das brincadeiras com os meus primos, ... Lembro-me muito pouco dos presentes, mas lembro-me do dia em que percebi que o Pai Natal não existia e lembro-me de ter ficado muito triste. 

Decidimos, por isso, que não vamos contar a história do Pai Natal ao nosso filho mais novo. Vai compreender que somos nós que lhe damos um presente de Natal e, naturalmente, vamos ter de desconstruir a crença dos irmãos mais velhos no Pai Natal...

Em todo o caso, a escolha de incutir ou não esta crença nas crianças, deve ser uma escolha refletida e consensual para os pais, baseada acima de tudo no desenvolvimento da confiança na criança, da confiança em si mesma, mas também na confiança em nós, porque sabemos que esse é o motor da sua construção pessoal. Vamos contar-lhe a história do Pai Natal, mas insistindo muito bem no facto de ser uma história. Pretendemos acima de tudo enfatizar o significado histórico e bíblico da história do Natal, porque é antes de mais por essa razão que celebramos o Natal. Essa escolha não é, de forma nenhuma, um julgamento sobre escolhas diferentes da nossa. É apenas uma partilha. Nem faria sentido que fosse de outra forma! Dois dos meus filhos ainda acreditam no Pai natal... e na Fada dos Dentes!


Sylvia de Sousa Guarda