Como lidar com o facto de ter de recorrer à doação de gâmetas (espermatozóides e/ ou ovócitos) e até mesmo de embriões? 

A abordagem sobre a doação de gâmetas sexuais tem merecido particular destaque na nossa atualidade, face à vivência da infertilidade. 

Ainda que seja um assunto particularmente sensível, é cada vez mais premente perante a necessidade dos casais que procuram tratamentos em saúde reprodutiva, apelando à ciência, inovação e sucesso tecnológico na obtenção de uma gravidez tão desejada. 

A doação de gâmetas é também tema de grande controvérsia no seio familiar, interferindo em escolhas, tomadas de decisão e rotina do casal.




Vivemos numa época em que damos maior primazia a metas e esquemas mentais, sem por vezes nos questionarmos se queremos ou sabemos lidar com o percurso, invertendo muitas vezes prioridades, abafando desejos, vontades e sonhos. 

Conforme o tempo vai avançando, diminui o projeto reprodutivo e aumenta o número de casais que adiam a maternidade para mais tarde, até que chegam ao momento em que desejam acrescentar a sua família e planear a parentalidade. 

Existem muitos casais que durante o seu percurso de tratamentos em infertilidade se vêem confrontados com a questão da doação. 

Por uma razão ou por outra, após sucessivas tentativas de procriação medicamente assistida (P.M.A.), com recurso às técnicas mais avançadas, alguns casais sofrem falhas de implantação ou a interrupção do desenvolvimento embrionário, sendo-lhes sugerida a opção da doação de gâmetas sexuais. 

Entre muitos casos de seguimento clínico, encontramos casais que apesar do seu desgaste físico e emocional existe uma enorme persistência que se renova a cada nova possibilidade que lhes é apresentada e a doação é uma opção que para eles renova-lhes a esperança e é tão válida quanto todas as outras, às quais já recorreram. 

Nessa altura, o acompanhamento psicológico é fundamental e integrativo, na medida em que ajuda o casal a refletir sobre a opção da doação, desmistificando crenças e delineando, juntamente com o mesmo, um novo ciclo, planeando novas metas no processo de tratamento, apoiadas em conhecimento informado. 

Todo este seguimento terapêutico possibilitará ao casal gerir melhor as expetativas, avaliar as suas limitações e motivações, minimizando obstáculos. Considero mesmo que é perentório ajudá-los a conhecer e a identificar as suas implicações futuras sobre decisões conscientes. 

Apesar do sucesso obtido através do recurso a gâmetas doados (40% através da doação de esperma; 60% no caso dos ovócitos), todo este procedimento ainda continua a ser considerado um tabu social e talvez por isso mesmo deve-se escutar o casal, levando-os a refletir sobre os seus medos, ajudando-os a perceber que muitas das vezes são infundados e advêm de contextos mal esclarecidos. 

A doação, em muitos casos, acaba cada vez mais por ser melhor aceite na vida do casal, sendo o acompanhamento psicológico um requisito complementar e fundamental no restabelecimento dos laços afetivos, na recuperação da intimidade, ajudando o casal a considerar a doação como uma possibilidade fiável e válida, encorajando-o em muitos casos, particularmente a mulher, esclarecendo-a de que a vivência da sua gravidez terá um impacto insubstituível e será preponderante no estabelecimento do vínculo mãe-bebé durante a gestação.




No caso das recetoras, estas mulheres ainda com alguns receios, não se devem sentir meras incubadoras, sendo necessário junto das mesmas ajudá-las a desconstruir crenças e fazê-las entender que apesar da criança resultar da carga genética da dadora e do pai, este embrião possui e desenvolve uma carga emocional através da troca citoplasmática e meio envolvente intrauterino, que por sua vez irá sobressair, sobrepondo-se na maioria das gestações, à questão da doação por si só. 

É necessário que a mulher que for gerar aquele bebé no seu ventre entenda que a carga emocional vivenciada na relação mãe-bebé ao longo da gestação é determinante e irá promover a ligação dos meios envolventes do próprio útero, como na toca de proteína e vínculo emocional. 

Porém ainda que se verifique maior abertura perante a opção da doação por parte dos casais que não conseguem ter filhos por via natural é da responsabilidade e dever de todos os profissionais de saúde reprodutiva esclarecer o casal, desmistificando o procedimento através de doação de gâmetas para que se sintam mais seguros e apoiados neste processo. 

Neste sentido a doação de células reprodutivas tem vindo a ganhar terreno face ao sucesso da gravidez. O recurso a este procedimento passa por uma avaliação criteriosa de segurança e qualidade, incluindo o despiste de doenças hereditárias e infeciosas transmissíveis, bem como integra a análise de vários fatores como a idade, análises genéticas (cariótipo), avaliação psicológica, exames ginecológicos e um aconselhado período de reflexão (48h) antes da transferência.




Todo o procedimento obedece assim a uma avaliação rigorosa na seleção dos dadores (DR 2ª Série, N.º 75 de 17 de Abril de 2017) inerente aos critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (C.N.P.M.A.), sendo que os candidatos terão de assinar um consentimento informado no qual assumem a responsabilidade acerca das condições e sigilo perante a doação.

A seleção dos dadores é feita em concordância com os aspetos relacionados com as caraterísticas do casal recetor.

Para que tudo isto seja possível realizar, existe um planeamento para que tanto a dadora como a recetora menstruem ao mesmo tempo, preparando a estimulação ovárica (dadora) através de injeções, sendo que a resposta dos ovócitos é feita através de controlo ecográfico e análises, para posterior aspiração dos ovários na recolha dos ovócitos, ao mesmo tempo que é estimulado o endométrio da recetora.



Ana Magina Silva