Falar sobre a parentalidade é falar de um tema bastante abrangente e complexo que nos remete para uma profunda reflexão.

Inerente à parentalidade temos o nascimento de um filho, podendo a mesma iniciar-se ainda antes da conceção, uma vez que segundo Canavarro (2001) "a gravidez transcende o momento da conceção, assim como a maternidade transcende o momento do parto".

Importa salientar que a gravidez e a maternidade são dois processos dinâmicos, de construção e desenvolvimento, que embora frequentemente associados, representam duas realidades bem distintas. A gravidez é caracterizada por mudanças físicas e psíquicas, geradoras de enorme ansiedade, medo e fantasias. São estas mudanças e os esforços de adaptação às mesmas, que possibilitam a grávida a um processo de crescimento psicológico caracterizado por várias fases de desenvolvimento, alterações de comportamento e modificações de funcionamento com um valor adaptativo de grande importância. Por seu lado, a maternidade apresenta-se como um fenómeno mais abrangente e complexo que recolhe subsídios de várias áreas do conhecimento.




Associadas a um processo de gravidez e de nascimento, encontram-se várias tarefas que caracterizam cada fase da maternidade e que se encontram associadas ao desenvolvimento cronológico da gravidez e puerpério (pós-parto). No entanto, é fundamental referir que o tempo de resolução das tarefas de desenvolvimento podem variar de mulher para mulher, pelo que não se pode generalizar. Canavarro (2001) apresenta sete tarefas desenvolvimentais da gravidez e puerpério, as quais passarei a enumerar: 
  1. Aceitação da gravidez: ocorre habitualmente durante o primeiro trimestre de gestação, caracterizando-se por sentimentos de ambivalência, independentemente da gravidez ser ou não desejada e planeada. Estes sentimentos devem-se à incerteza relativo à viabilidade da própria gravidez, à aceitação do feto, às mudanças inerentes à gravidez e à própria maternidade;


  2. Aceitação da realidade do feto: decorre habitualmente durante o segundo trimestre de gravidez e corresponde a uma perceção mais real e autónoma do bebé, até então parte integrante da mãe. Com contributo a este facto encontra-se a perceção dos movimentos fetais e a visualização do feto através de ecografias. esta fase constitui o ponto de partida para a diferenciação materno-fetal, traduzindo-se pela aceitação do feto como pessoa separada, com identidade própria, tornando-se fundamental ao processo de vinculação mãe/ filho. É frequente constar que no final desta tarefa as futuras mães intensificam as fantasias relacionadas com o bebé, a comunicar de forma verbal e táctil com o seu bebé;


  3. Reavaliação e reestruturação da relação com os pais (sobretudo a mãe): a partir do terceiro trimestre de gravidez a grávida elaborará uma introspeção acerca do seu relacionamento com os seus pais, reavaliando a relação estabelecida com eles ao longo da sua infância e adolescência, integrando experiências positivas e negativas enquanto filha, aceitando o bom comportamento dos seus pais e simultaneamente as suas falhas e limitações. Assim, torna-se possível adotar os que parecem adequados, adotando outros em substituição dos que considera disfuncionais e aceitar e lidar melhor com as suas próprias falhas enquanto mãe;


  4. Reavaliação e reestruturação com o cônjuge/ companheiro: é um momento de reflexão fundamental a um ajuste a nível conjugal, que permita o desenvolvimento de uma aliança parental, baseada na partilha e articulação das tarefas domésticas, de cuidados ao recém-nascido, de tomada de decisão inerente aos vários aspetos de vida e promoção de suporte emocional. Esta tarefa desenvolve-se habitualmente no terceiro trimestre da gravidez;


  5. Aceitação do bebé como pessoa separada: consiste na preparação para a separação orgânica e funcional entre mãe/ filho, concretizada com o parto, podendo ser vivida com alguma ambivalência de sentimentos, uma vez que a vontade de ter um filho e o términus da gravidez coexiste com o desejo de a prolongar, no sentido de adiar o momento do parto e as dificuldades que o nascimento poderá acarretar. Esta tarefa não termina com a separação física entre a díade (mãe/ filho), prolongando-se pelo período de puerpério. O grande desafio desta tarefa reside na capacidade para interpretar e responder aos sinais emitidos pelo bebé, assim como em aceitá-lo como uma pessoa separada, única, com características e necessidades próprias;


  6. Reavaliação e reestruturação da própria identidade materna: consiste na síntese de todas as tarefas anteriores, implicando a integração do papel maternal, com as suas funções e significado, através da reavaliação das perdas e ganhos impostos pela maternidade, assim como a aceitação das mudanças inerentes à mesma;


  7. Reavaliação e reestruturação da relação com o(s) outro(s) filho(s): esta tarefa surge quando existem outros filhos, os quais também apresentam tarefas a cumprir face ao surgimento de um novo elemento na dinâmica familiar. A mulher nesta tarefa apresenta preocupações diferentes das primíparas (mãe pela primeira vez), uma vez que terá de focar a sua atenção em outras questões para além das relacionadas com o bebé, nomeadamente a fadiga, as perturbações de sono ou até mesmo um parto prematuro.






    Sílvia Duarte


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