O processo profundo da maternidade não se encaixa no mundo moderno...

Vivemos hoje num mundo rápido, apressado, stressado, onde nos esquecemos muitas vezes uns dos outros, de estarmos conectados, de parar, observar e estar em presença. 

Vivemos num tempo onde queremos o mais fácil, o mais simples e rápido e de preferência que não dê trabalho. Compramos comida já feita e embalada, legumes lavados, produzimos alimentos com químicos para que cresçam mais rápido, compramos online, etc. Não queremos perder tempo e não queremos demorar muito. O tempo é escasso e a paciência é pouca. 

Deixámos de ter tempo para ESTAR e SER, para partilhar e conversar. Deixámos de saber falar de emoções e vivemos numa época onde a imagem vale tudo. O dia-a-dia é regido maioritariamente por ecrãs e pelo digital. Todos os dias os media e as redes sociais entram-nos pela vista dentro, mostrando mundos perfeitos, patamares aliciantes a atingir, onde nos vendem tudo sem precisarmos de esforço. Alimentamos a competição, o individualismo e o isolamento. 

Vendemo-nos, todos os dias, contos de fada, histórias cor-de-rosa onde, mesmo inconscientemente, todos queremos pertencer em algum momento. Quem não quer sentir-se amado, desejado e aceite? 

Sendo a maternidade um processo intenso, ritualístico e demorado para o qual os livros e as estatísticas não valem de muito na hora "h", como encaixar neste mundo moderno?
  • Como sobreviver no meio disto tudo a uma maternidade/ paternidade onde desejamos calor, entreajuda, presença, conexão e tempo?
  • Como renascermos e aprendermos a ser Pais tendo altos níveis de exigência de performance?
  • Como descobrirmos a nossa forma de maternar no meio de pressões, mil opiniões e verdades absolutas?


Ao longo dos tempos, deixou de se valorizar este fortíssimo processo de transformação, colocando em risco a sanidade mental de toda a Humanidade e das novas gerações, não havendo tempo para viver e para o assimilar. Não há espaço para viver fora dos contos de fadas exigidos, não há tempo para viver a complexidade deste fenómeno e sermos apenas reais...

Como diz o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, do Instituto Aripe, o "pós parto visto como uma fase de 40 dias é um mito criado pela sociedade onde vivemos e que nos "obriga" a regressar à produtividade rapidamente, que nos pressiona a regressarmos à nossa forma física e mental o mais rápido possível, que nos cria inconscientemente a urgência de sermos as mulheres que éramos antes."

Este psicólogo dedicado a este tema tão importante diz: "Essa palavra "puerpério" ainda é uma palavra muito pouco conhecida, muito pouco difundida, no sentido mais profundo que ela tem. Geralmente ela está associada a uma ideia de um pós parto imediato. Puerpério quer dizer um casulo existencial, em que a mulher, o bebê e todos da família, entram numa fase muito maior do que 40 dias. Porque TODOS são recém nascidos nessa época, não só o bebê. Todos renascem para novos papéis familiares e sociais."

Esta é uma viagem de profunda transformação onde precisamos de tempo e apoio prático e emocional para renascermos, para percebermos o que se está a passar connosco e com tudo à nossa volta. 

Já se considera a depressão a doença do século, de acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 350 milhões de pessoas do mundo sofrem de depressão, o que consiste em 5% da população mundial. Relativamente às mulheres, a depressão pós parto afeta cada 1 em 6 (dados da OMS). Cada vez mais também se assiste a separações dos casais nos primeiros anos de vida de um bebé. 

Acredito plenamente que o nascimento é realmente muito para além do bebé. Quando a minha filha nasceu, o meu marido disse-me algo que nunca mais esqueci: "Agora é que a vida começou".


Quando temos um filho acabou o "faz de conta", de repente tudo o que vivemos até aqui foi apenas um "ensaio" para agora colocar em prática. É um renascimento tão profundo de todos que é tão mágico ao mesmo tempo que temos a sensação que fomos enrolados numa onda e não conseguimos vir ao de cima, uma onda que nos leva e nos arranca de nós. Leva-nos ao limite e coloca-nos em frente a um espelho gigante, onde finalmente nos encontramos connosco mesmas.

Estamos cansadas, o tempo ganhou uma nova dimensõa, temos dores, o nosso corpo transformou-se, temos um ser dependente 24h que não conhecemos, que não fala e não traz livro de instruções. De repente não somos mais só nós, temos a total responsabilidade de um outro Ser e isso é avassalador.

Sentimo-nos exaustas e perdidas... Não sabemos mais quem somos, o que queremos, o que acreditamos. O mundo desmoronou-se e tudo está diferente. E no meio disto tudo, não há tempo.

Não temos tempo nem espaço para entender o que se passa e ninguém parece compreender-nos. Apenas existe um "Agora és mãe!". Deixas de ser a Filipa, a Joana, a Maria, a Raquel, para ser "a Mãe". Desejas mais que nunca ser filha e honrar todas as mulheres. Lembras-te das vezes que ousaste comentar ou opinar sobre alguma Mãe e percebes como não fazias a mínima ideia.

Mas mesmo assim, continuamos neste automatismo e sem falar a verdade, cheias de medo e vergonha de não pertencer ao mundo idealizado que nos impingem.

Não se fala da intensidade, das dificuldades, do tempo que deixa de haver, das dores, das transformações físicas, emocionais e espirituais, das alterações individuais e de casal, dos momentos em que não queremos mais ser mães, dos dias em que choramos, das frustrações que sentimos, da liberdade que deixamos de ter, das noites em que desesperamos sem saber que fazer, dos dias em que nos sentimos sozinhas e incompreendidas, ...

Ao vivermos algo tão intenso não há como não abalar toda a nossa identidade, nos questionarmos e a tudo à nossa volta. Existe agora um mundo e um exemplo para deixar a alguém... Não é possível passar por este "ritual" e continuar igual.

Analisando os Níveis Neurológicos (inspirados na teoria de Gregory Bateson e introduzidos na Programação Neurolinguística por Robert Dilts), uma ferramenta de transformação pessoal que pressupõe que atuamos em 6 níveis neurológicos, camadas essas que compõem o modo como vivemos. Verificamos que as 3 camadas mais altas são o Legado (Missão), a Identidade e as Crenças/ Valores.

Imagem do site "Crie seu destino"

Se quando temos um bebé mexe e abala a nossa Identidade, com o que queremos fazer na vida (Missão), nas nossas crenças e valores, então como não abalar tudo o resto?
  • Como saber quais as nossas capacidades como mães e pais? A direção em que vamos?
  • Como saber quais os comportamentos que queremos assumir como mães e mulheres?
  • Como saber com que pessoas quero despender tempo?
  • Como não sentir que estou desalinhada e desconectada do meu corpo, do meu companheiro e do mundo?
É por isso que é tão intenso, mas tão mágico e acaba sendo o melhor do mundo, no meio de toda a loucura! Dá-nos a oportunidade maravilhosa de Renascer, de viver finalmente a nossa verdade e não a imposta por algo ou alguém. Permite-nos mergulhar fundo, no mais profundo do nosso Ser e tornarmo-nos seres mais felizes e íntegros. Devolve-nos a casa!

Cada vez mais acredito que tudo começa na grande questão: quem sou eu?

Tudo começa nesta descoberta da nossa Identidade. Quando sabemos quem somos, tudo se alinha

Sinto que ao desvalorizarmos este ritual de passagem damos pouco apoio aos pais e às famílias para se redescobrirem, compreendemos pouco, não damos tempo e exigimos. É aqui que as mães se perdem cada vez mais, que esquecem a mulher que também são, que pais se esgotam e famílias se desmoronam. 

  • Podemos mudar esta intensa transformação? Talvez não! Talvez esse seja o processo. Talvez seja por isso que somos seres para procriar, para que possamos evoluir, questionar o mundo e fazer acontecer. Como Brené Brown diz no seu comentário sobre vulnerabilidade: "There is no courage without vulnerability". Na maternidade abrimos portais, abrimos o nosso coração e a nossa vulnerabilidade, permitimos finalmente "despir-nos" e deixar que nos vejam, que nos olhem, que nos abracem. Este amor infindável que sentimos, faz-nos caminhar mais próximos de nós mesmos e transformar o mundo.

  • Mas podemos ter um mundo menos apressado, menos exigente. Um mundo onde damos o tempo e apoio necessários às mães, que elas merecem e precisam para renascer, para se recomporem de terem gerado Vida. De as mimar, de as ouvir, de não exigir perfeição, de lhes falar que não estão loucas e que está tudo bem. De lhes dar colo e atenção. De as deixar fazer o papel delas, de devolver amor e compaixão à humanidade e que tanto precisamos. De as deixar chorar, rir, gritar, de as deixar conhecerem os seus bebés e de se reconhecerem a si mesmas. 
Mães e pais estruturados e emocionalmente estáveis, têm bebés mais felizes e renascimentos mais positivos.

Acredito nisto profundamente e esse é o meu contributo para o mundo como Doula, Coach Transformacional, Bodyworker, Mãe e Mulher. Hoje em dia aspiro a ser a voz do renascimento de todas as mães, pais e casais que encontram nos desafios da maternidade a razão certa para se encontrarem e se transformarem em Seres Humanos mais felizes e íntegros.