O que é o canal arterial?

O canal arterial é um pequeno vaso sanguíneo que une as duas principais artérias do coração - a artéria pulmonar (principal artéria que transporta sangue não oxigenado para os pulmões) e a aorta (principal artéria que transporta sangue com oxigénio para todas as partes do corpo do bebé). Antes do nascimento, os pulmões do bebé não funcionam! Vai ser através da respiração da mãe e posteriormente da placenta que o bebé recebe o oxigénio necessário à sua sobrevivência. O canal arterial é a estrutura que permite que o sangue seja desviado dos pulmões (portanto, da artéria pulmonar) e chegue a todas as partes do corpo do bebé (através da artéria aorta). 

Após o nascimento e à primeira respiração do bebé, o canal arterial torna-se desnecessário, ocorrendo o seu encerramento nos primeiros dias ou semana de vida. No entanto, por vezes o canal arterial não encerra completamente, permanecendo aberto. A isto dá-se o nome de persistência do canal arterial (PCA). No recém-nascido (RN) pré-termo, principalmente no RN de muito baixo peso, existe um risco elevado de persistência de canal arterial, ocorrendo em 20-40% dos bebés com peso de nascimento inferior a 1000g. 

O nosso coração tem quatro câmaras. Duas câmaras "recetoras" - as aurículas direita e esquerda - e duas câmaras de bombeamento - os ventrículos direito e esquerdo. A artéria pulmonar e aorta estão conectadas respetivamente ao ventrículo direito e esquerdo. O sangue rico em oxigénio flui do ventrículo esquerdo para a aorta e depois para o resto do corpo. O sangue pobre em oxigénio flui do corpo para a aurícula direita, depois para o ventrículo direito e para a artéria pulmonar e desta para os pulmões, onde ser vai reabastecer de oxigénio fresco (oxigenação). Após a oxigenação, o sangue rico em oxigénio retorna à aurícula esquerda e seguidamente ao ventrículo esquerdo. O sangue é bombeado para a aorta para irrigar o resto do corpo. Se o canal arterial se ocluir normalmente não há conexão entre a aorta e a artéria pulmonar, consequentemente não haverá mistura entre os dois tipos de sangue: o oxigenado e o pobre em oxigénio. 

Figura 1- Diagrama de coração normal e coração com persistência de canal arterial

Com todas as alterações que ocorrem após o nascimento, a persistência do canal arterial vai levar a um desvio de sangue da circulação sistémica (sangue oxigenado da artéria aorta) para a circulação pulmonar (isto é, para a artéria pulmonar), levando a que o sangue flua do ventrículo esquerdo para a aorta e desta de volta para a artéria pulmonar. Este desvio grande de sangue através do canal arterial leva a um aumento da quantidade de sangue que chega aos pulmões do bebé. Este aumento de sangue nos pulmões leva, por um lado, à chamada insuficiência cardíaca e por outro lado, a uma diminuição da quantidade de sangue que chega às restantes partes do corpo, em particular ao aparelho digestivo e ao cérebro do bebé. A persistência do canal arterial é, desta forma, um factor de risco para outros problemas clínicos, tais como: neurológicos, gastrointestinais e renais, podendo ocorrer no bebé hemorragia intraventricular, paralisia cerebral, enterocolite necrosante (uma lesão na superfície interna do intestino)e a insuficiência renal. O aumento do fluxo de sangue para os pulmões pode originar edema pulmonar (aumento de líquido nos pulmões) e hemorragia (sangramento), habitualmente nos dois primeiros dias de vida, com consequente agravamento da dificuldade respiratória, aumento da necessidade de ventilação mecânica e do risco de displasia broncopulmonar (uma doença pulmonar crónica decorrente de lesões repetitivas do pulmão). A persistência de canal arterial em RN prematuros está assim associada a um aumento significativo do número de complicações e da mortalidade desta população. 



Quais são os sinais e sintomas?

Os efeitos da persistência de canal arterial no RN prematuro podem ser:
  • aumento do esforço respiratório secundário a congestão pulmonar - frequência respiratória (número de respirações por minuto) mais rápida, com necessidade de mais oxigénio para manter os níveis de oxigénio no sangue estáveis, dessaturações (diminuição do conteúdo de oxigénio medido no sangue), episódios de apneia (períodos de tempo sem respirar, que podem ser de 10 a 20 segundos de duração) e um agravamento das alterações pulmonares, com necessidade de ventilação mecânica para além do tempo esperado ou dificuldade em progredir para a extubação do RN.
  • Aumento do trabalho do coração - frequência cardíaca mais rápida, auscultação de sopro sistólico ou contínuo, instabilidade clínica. Isso ocorre porque muito sangue flui de volta para os pulmões e depois de volta para o coração, sem suprir o resto do corpo, ou seja, uma circulação ineficaz, o que leva a que o coração tenha que trabalhar mais. 


Como se diagnostica a persistência de canal arterial?

Normalmente, o único teste necessário para fazer o diagnóstico é um ecocardiograma, que é um exame indolor e não invasivo. 


Que tratamento está disponível?

Nos RN pré-termo é muitas vezes necessário utilizar medidas terapêuticas de restrição hídrica (alimentar o RN com quantidades menores de leite), pode ainda precisar de alguma medicação (diuréticos) para ajudar a remover líquidos extra, produzindo mais urina. Isso ajudará a reduzir o excesso de líquido nos pulmões. Podem ainda ser necessárias outras medidas como transfusão de sangue e/ ou ventilação assistida com pressão positiva. Nos casos em que não seja possível controlar a insuficiência cardíaca utilizam-se medicamentos como o ibuprofeno. Nos casos de persistência do canal arterial mais graves e que não respondem às medidas anteriores e à medicação, o RN pode precisar de uma cirurgia para encerramento (laqueação) do canal arterial. Esta operação laqueia o canal arterial com um clipe de metal e é realizada através de um corte no lado esquerdo do tórax e o clipe é colocado em redor do canal arterial de forma a ocluí-lo. 




Sérgio Matoso Laranjo