As doenças alérgicas estão a aumentar em todo o mundo e manifestam-se de formas cada vez mais complexas e graves. Estima-se que entre 20 e 30% da população portuguesa possa ser afetada por um ou mais problemas alérgicos como asma, rinite, eczema, urticária e alergia a alimentos ou a medicamentos. Este aumento de frequência é particularmente problemático nas crianças que são desproporcionalmente afetadas. 


O que é a alergia?

A alergia é uma resposta exagerada e inadequada do nosso Sistema Imunitário contra substâncias inofensivas do meio ambiente. Numa situação normal, o nosso organismo combate agentes que possam causar doenças, como bactérias ou parasitas e "tolera" substâncias benéficas como os alimentos, o ar que respiramos ou os medicamentos. 

Nas pessoas alérgicas, o organismo cria anticorpos que interpretam incorretamente uma substância inofensiva (um alergénio) como um agressor. Esses anticorpos existem no nariz, nos olhos, nos brônquios, na pele e no sistema digestivo e causam uma inflamação intensa que origina os sintomas típicos da alergia. 


E então, porque nos tornamos alérgicos?

Chamamos "atopia" à predisposição genética, pessoal ou familiar, para a produção desses anticorpos peculiares contra os alergénios do meio ambiente. Quando falamos de uma pessoa atópica, queremos dizer que tem essa predisposição codificada nos genes. 

Uma criança com um progenitor alérgico, por exemplo, tem 40 a 60% de risco de também vir a ter alergia. Se os dois pais foram alérgicos, a probabilidade aumenta para 60 a 80%. Pelo contrário, o risco é muito baixo (aproximadamente 5%) se não existir alergia na família. 

Mas as doenças alérgicas são multifatoriais, isto é, são influenciadas tanto pela genética como por factores ambientais. As infeções respiratórias virais e a exposição a poluentes, sobretudo ao fumo de tabaco parecem ser igualmente importantes para o aparecimento de problemas alérgicos. Além disso, o sedentarismo, a obesidade e o menor contacto com a natureza também parecem contribuir para a epidemia de alergia que surgiu no final do século XX. 


As alergias estão mesmo a aumentar? E proporcionalmente há mais crianças ou adultos alérgicos?

Não parece haver dúvidas de que as doenças alérgicas são cada vez mais frequentes, sobretudo nas crianças. Estima-se que em Portugal aproximadamente 10% da população (cerca de 1 milhão de pessoas) sofra de asma brônquica. E na idade pediátrica essa percentagem é ainda maior, cerca de 15%. Além disso, mais de 20% das crianças portuguesas têm queixas de rinite, 10% têm eczema atópico e de 5 a 10% sofrem de alergia alimentar. 

A prevalência de todas estas doenças praticamente duplicou nos últimos 25 anos. 


Porque somos alérgicos a umas substâncias e não a outras?

Regra geral, somos alérgicos a substâncias comuns do nosso meio ambiente. Por exemplo, os habitantes do Algarve são alérgicos aos pólenes e aos ácaros da região, que são diferentes daqueles que são encontrados no Norte de Portugal e daqueles que existem noutros países. Cada região tem as suas particularidades. 

Em Portugal, a alergia respiratória identificada mais frequentemente é aos ácaros do pó doméstico, sobretudo a uma espécie chamada Dermatophagoides pteronyssinus. Os ácaros são pequenos animais que vivem no pó das casas, em especial nos quartos de dormir. Alimentam-se de restos da nossa pele e preferem casas quentes e húmidas. Cresce, sobretudo nos colchões, almofadas, alcatifas, sofás e peluches, mas podem viver em qualquer sítio que acumule pó. 

Já os pólenes mais importantes para o aparecimento de alergia respiratória parecem ser os de gramíneas selvagens (também chamados de fenos) e de oliveira. 



Ser alérgico "é para a vida"?

Depende. Regra geral o Sistema Imunitário dos doentes alérgicos continua a reconhecer os alergénios a que se sensibilizou durante toda a vida. Muitas vezes até adquire novas sensibilizações que fazem com que a doença se agrave!

Ainda assim, a frequência dos sintomas de asma e de eczema tem uma tendência para diminuir nos adultos. Por outro lado, a prevalência de rinite alérgica parece aumentar com a idade e a alergia alimentar pode ser transitória ou "para a vida" de acordo com o alimento implicado (a alergia ao leite e ao ovo têm muito melhor prognóstico que a alergia ao camarão ou aos frutos secos). 



É impossível prevenir alergias? 

Nas crianças existem algumas atitudes que podem fazer muita diferença. O aleitamento materno exclusivo durante os primeiros 6 meses de vida é recomendado a todos os recém-nascidos tanto pelo seu valor nutricional, como pela capacidade que tem em regular corretamente o Sistema Imunitário. Esta medida parece ter um valor protetor no desenvolvimento de várias alergias, sobretudo o eczema, a asma na infância e a alergia alimentar. Quando não é possível amamentar, ou quando o leite materno não é suficiente, as fórmulas hipoalergénicas de leite hidrolisado parecem ser superiores às fórmulas normais ou às fórmulas de soja na prevenção de alergia em crianças com pais alérgicos. 

Por fim, a exposição ao fumo do tabaco (e menos frequentemente ao fumo da lareira) durante a gestação, no recém-nascido e na primeira infância parece ser incrivelmente prejudicial para o desenvolvimento pulmonar da criança. 

Ainda assim, mesmo quando se têm todos os cuidados, por vezes a alergia surge. Felizmente a Medicina tem acompanhado este momento progressivo das doenças alérgicas e existem hoje diversos meios de diagnóstico e de tratamento para minimizar e mesmo reverter o impacto que estas têm na qualidade de vida dos doentes. 



Pedro Morais Silva