As famílias organizam-se em função de aspetos individuais (biológicos e psicológicos) dos seus elementos e das circunstâncias socioeconómicas e culturais da sua época. A criança em processo de desenvolvimento movimenta-se por interações diárias com um meio em permanente mudança. Assim, desvios da norma são realidades dinâmicas, entendidas pela relação bidirecional da criança com o seu meio (também ele dinâmico e mutável) e devem ser contemplados segundo uma perspetiva desenvolvimental. Repare-se na evolução da sociedade que, com as suas diversas contradições e paradoxos, desafia constantemente a estrutura familiar, impondo necessárias readaptações e esquemas alternativos de convivência familiar. Ainda não existem modelos estanques e homogéneos no que respeita ao funcionamento das famílias, é sabido que a criança necessita do par conjugal adulto para construir no seu íntimo uma imagem positiva das relações afetivas e da salutar convivência. John Bowlby sublinha a importância da base segura, disponibilizada pelos pais, a partir da qual a criança explorará o mundo. Esta relação de vinculação, da maior importância para a estruturação psíquica da criança, possibilitar-lhe-á experienciar segurança e confiança em si própria e nos que a rodeiam. Para Serge Lebovici, da ameaça ou falência deste processo, poderão brotar a ansiedade e a raiva, a dor e a depressão.




No cenário ideal, a criança desenvolve-se numa dinâmica familiar harmoniosa e contentora, caracterizada pela sintonia do casal, pelo uso de uma comunicação clara e pela existência de regras, limites e atitudes parentais consistentes. Envolvidas tais premissas num manto de afeto e disponibilidade, reúnem-se as condições adequadas para desenvolvimento de estruturas psíquicas fortes e seguras. Dum cenário contrário, poderá resultar grande prejuízo para o desenvolvimento psicoafetivo da criança ou jovem.

Em jeito de esclarecimento prévio, não pretende esta minha exposição tomar o partido do pai ou do homem, numa espécie de solidariedade de género. Não nos faltarão exemplos de privações da figura materna, altamente prejudiciais, ainda que comprovadamente menos comuns. Por outro lado, não escasseiam também os exemplos de privações que se tornam necessárias, da figura paterna ou materna, por se terem revelado presenças tóxicas e desaconselhadas. 

De facto, não restam dúvidas no que respeita ao papel primordial da mãe, enquanto prestadora de cuidados à criança e elemento fundamental para o seu adequado desenvolvimento físico e emocional. Em estreita comunhão com a sua cuidadora, a criança desenvolve competências de autorregulação, tão mais eficazes quanto mais forte o vínculo com ela estabelecido. Na verdade, a segurança e a qualidade desta vinculação, matriz das relações futuras, transportá-la-ão em segurança e harmonia ao longo dos sucessivos marcos do desenvolvimento psicoafetivo. No entanto, ainda que o contributo do pai não se encontre tão largamente destacado na literatura, o seu papel dinâmico neste processo não deve ser negligenciado. Entre outras funções, oferece um importante suporte à interação mãe-bebé e é um elemento imprescindível para o processo de separação e individuação da criança relativamente à figura da mãe. Sabe-se, inclusivamente, que a sua presença e disponibilidade promovem segurança, autoestima, independência e estabilidade emocional, parecendo potenciar o interesse e o envolvimento posterior com a criança. Segundo Donald Winnicott, as brincadeiras de maior agressividade poderão moldar a personalidade da criança, idealmente espelhada em modelos de conduta adequados oferecidos pela figura paterna. Pelo contrário, o seu distanciamento traduz-se na fragilidade do vínculo pai-filho, sobretudo tratando-se de crianças do sexo masculino, com repercussões indesejáveis no seu processo de desenvolvimento. De facto, a interação entre pai e filho constitui um fator determinante para o desenvolvimento cognitivo e social, facilitando a capacidade de aprendizagem e a integração da criança na comunidade. Crianças privadas da convivência com a figura paterna evidenciam maior probabilidade de problemas de identificação sexual, dificuldades no reconhecimento de limites e na aprendizagem de regras de convivência social, com uma maior propensão para envolvimento em comportamentos delinquentes.




A separação do par conjugal determina alterações nos relacionamentos e dinâmicas familiares. Quando em contexto de conflito, constitui uma adversidade psicossocial muito grave, representando um fator de risco para o desenvolvimento de perturbação emocional e/ ou comportamental nos filhos. Também a separação inesperada e mal compreendida pela criança, dotada de um aparelho psíquico ainda imaturo, poderá derivar em sentimentos de rejeição, de abandono, de culpa pela separação, de autodesvalorização. A própria opinião da criança relativamente ao pai poderá distorcer-se, por vezes por aspetos comunicacionais voluntários ou involuntários da progenitora presente. Alia-se ainda a influência afetiva da mãe (da qual a criança é dependente), por vezes complicada pela fixação da mesma nos seus próprios interesses ou pela preocupação excessiva e patológica com o filho, para excluir a figura paterna. Tal privação poderá ocorrer, pelo corte de relações entre o casal ou pelas contingências geográficas decorrentes da separação, impede a partilha de vivências diárias e a participação do pai no desenvolvimento físico e emocional do filho. Em idades precoces, os prejuízos para os vínculos afetivos são habitualmente definitivos e irreparáveis. Não raras vezes, tal prejuízo poderá estender-se às relações afetivas entre irmãos, sejam filhos de ambos os progenitores ou fruto das reconstituições familiares da díade conjugal separada. 

Em suma, a ausência ou perceção de abandono do pai na infância poderão trazer diversas consequências para a criança, refletidas na vida adulta sob a forma de desequilíbrios na estruturação da personalidade.




A gestão adequada da separação pela díade parental permitirá mitigar as consequências da rutura para o processo de desenvolvimento da criança, cabendo aos profissionais de Saúde Mental a difícil tarefa de orientação e consciencialização destas mães e pais doridos pela separação, relativamente ao papel de cada um no psiquismo infantil e no desenvolvimento cognitivo, social e emocional dos seus filhos. 



Vítor Ferreira Leite