A incidência da gravidez múltipla tem vindo a aumentar ao longo dos anos. O risco de gravidez múltipla aumenta com a idade materna, pelo que o adiar da natalidade da sociedade de hoje pode ser um dos fatores predisponentes. Outro fator importante é recurso à procriação medicamente assistida. 

Estamos habituados a ouvir falar de gémeos falsos e gémeos verdadeiros, mas para nós ginecologistas-obstetras, o mais importante em relação à avaliação do risco na vigilância de uma gravidez gemelar, é a diferença entre uma placenta (monocoriónica) e duas ou mais placentas (bi, tri, ... coriónica). Tentando correlacionar esta classificação com os gémeos verdadeiros ou falsos que tanto ouvimos falar... uma gravidez gemelar monocoriónica equivale a gémeos verdadeiros, no entanto uma gravidez bicoriónica poderá corresponder a gémeos verdadeiros ou falsos... Estão baralhados? Pode ser complicado perceber este conceito, mas vamos a isso!




As gravidezes gemelares, classificadas em relação à origem do ovo (zigotia), podem ser dizigóticas (cerca de 70 a 75% das gravidezes gemelares) ou monozigóticas (25 a 30%). Na gravidez dizigótica existiu a fecundação de dois óvulos por dois espermatozóides, portanto vamos ter os chamados gémeos falsos, já que serão geneticamente diferentes. neste caso teremos sempre duas placentas e portanto estaremos perante uma gravidez bicoriónica (e claro, também biamniótica - ou seja, com duas bolsas).

Por outro lado, a gravidez gemelar monozigótica pode apresentar-se de variadas formas. Como resulta da divisão de um zigoto oriundo da fecundação de um óvulo por um espermatozóide, são gestações geneticamente idênticas, correspondendo aos vulgarmente chamados gémeos verdadeiros. Se a divisão ocorrer numa fase inicial, os gémeos poderão ter cada um a sua placenta (bicoriónicos). Isto acontece em 20-25% dos casos de gémeos monozigóticos. Se a divisão ocorrer mais tarde, os gémeos vão partilhar a mesma placenta ("choryon") - e daí chamarem-se monocoriónicos. Neste caso, poderão ser ainda classificados em monoamnióticos (os gémeos estão dentro da mesma bolsa - 1-2% dos casos) ou biamnióticos (cada gémeo tem uma bolsa distinta, apesar de partilharem a mesma placenta - 70-75% dos casos). Caso a divisão ocorra muito tardiamente, surgem os casos de gémeos siameses - quando dois gémeos estão unidos nalguma região do corpo.




Nesta fase, já estarão a pensar "mas que confusão...!" Pois é! A verdade é que a gravidez monocoriónica está associada a um risco mais elevado em termos de complicações durante a gravidez do que a gravidez bicoriónica. A principal preocupação é a síndrome de transfusão feto-fetal, que acontece quando há passagem de sangue entre os fetos através da placenta e à qual será dedicado um artigo no futuro. É devido a este risco que é tão importante distinguir precocemente entre gravidez gemelar bicoriónica e monocoriónica, de forma a ser programada e realizada uma vigilância da gravidez ainda mais apertada. 

E porque é considerada a gravidez gemelar uma gravidez de risco? Está demonstrado que a gravidez gemelar tem maior risco tanto para a mãe como para os fetos. Está presente, entre outros riscos, um maior risco de parto pré-termo, patologia hipertensiva da gravidez (como a pré-eclâmpsia), diabetes gestacional, tromboembolismo e anemia. Para os fetos alguns exemplos de complicações são a maior prevalência de malformações fetais, restrição de crescimento fetal e de prematuridade.

No entanto, apesar de todos estes riscos descritos a que nós obstetras devemos estar atentos, de forma a diagnosticar precocemente... muitas gestações gemelares decorrem sem problemas e com o final feliz de nascerem "no plural"!




Patrícia Isidro Amaral