Todos nós, Pais ou não, já ouvimos alguém dizer "Todo o recém-nascido nasce a saber mamar!". Pergunto: mas todos nós somos iguais? Robôs computorizados? Será mesmo um dado adquirido que todos os bebés têm de saber comer assim que nascem? Felizmente sabemos que não é bem assim!

Primeiro que tudo: "habitualmente" come-se pela boca, correto? (Digo "habitualmente" porque nem todos podem "comer pela boca", mas deixemos essa questão de lado por agora). E quando nascemos, a forma de nos alimentarmos pela boca é por meio da sucção de leite, não é? Mas, como aprendemos a fazer isso?


De onde aparece essa tal de "sucção"?

O chamado reflexo de sucção aparece de forma muito primitiva por volta das 12 semanas ainda in utero progredindo gradualmente, sendo que perto das 26 semanas o bebé começa a engolir líquido amniótico de forma descoordenada e a chuchar em tudo o que consegue apanhar. Às 30 semanas aparecem as bochechas com as denominadas "sucking pads" (são bolsas de gordura existentes dentro da boca do bebé que o ajuda a fazer a pressão intraoral para sugar, desaparecendo com o aparecimento da mastigação), mas é somente às 34 semanas que a sucção se coordena com a deglutição. Contudo, é apenas ao nascer e com o surgimento da respiração que o recém-nascido poderá de facto adquirir o padrão de sucção propriamente dito que lhe permitirá mamar de forma efetiva: a chamada Tríade Sucção + Deglutição + Respiração.


Afinal todos os bebés sabem mamar assim que nascem, ou não?

Não! Nem todos os recém-nascidos nascem com o reflexo de sucção ativo/ adequado. Existem variadas razões para que tal não aconteça e por vezes nenhuma razão aparente... Costumo dizer muitas vezes aos Pais que os seus bebés simplesmente "adormeceram durante a aula de sucção" ou "faltaram porque já não estavam na barriga da Mãe para a ter!". Dependendo da idade gestacional do recém-nascido, estado clínico, patologias associadas ou alterações da morfologia oral como é o caso do freio lingual curto, a sucção poderá estar (ou não) condicionada.

O bebé prematuro apresenta uma imaturidade global que dificulta o aleitamento logo após o nascimento.


Então o prematuro tem sempre dificuldade em mamar?

É uma verdade que a Prematuridade está estritamente ligada às dificuldades de sucção. Olhemos primeiro para algumas caraterísticas frequentes de um prematuro:

  • Neurologicamente desorganizados;
  • Imaturidade do sistema respiratório;
  • Estado de alerta reduzido;
  • Poucos sinais de fome ou sede;
  • Pequena capacidade gástrica;
  • Tónus diminuído (hipotónico): dificuldades na estabilidade da mandíbula e/ ou vedamento labial insuficiente;
  • Ausência de "Sucking Pads".
Assim, é comum encontrarem-se reflexos de sucção e de deglutição fracos ou ausentes na maioria deles. Basta também pensar que muitos nascem ainda antes deste reflexo se ter maturado in utero, passam largas semanas/ meses sem poderem ser alimentados por boca, são bebés que foram entubados, com sonda, etc.

Mas tal não é regra, tudo depende das experiências orais do prematuro, seja na barriga da Mãe, no pós-parto e/ ou até durante o internamento. 


O que se pode fazer para ajudar o bebé prematuro a mamar melhor?

Se está com o seu bebé numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e tem a possibilidade de que este seja avaliado por um Terapeuta da Fala, fantástico! É o profissional de saúde que, após uma avaliação, lhe dará orientações, dicas e estratégias para estimular a sucção proporcionando-lhe assim momentos positivos e de prazer à volta da boca e de tudo o que ela representa. Falamos da sucção não-nutritiva, vulgarmente chamada de "chuchar", presente no dedo ou na chucha onde os movimentos são rápidos com pausas longas e irregulares e sem a presença de alimento na cavidade oral. Deixo alguns exemplos do que poderá fazer ainda antes do seu bebé ser alimentado por via oral: 
  • Se for possível, e sempre que possível, coloque-o à mama ou perto da sua mama para que o seu bebé possa brincar, sentir, tocar nos seus mamilos. Assim, estará a estimular não só a sucção do seu bebé, mas também a produção de leite;
  • Com a mão do próprio bebé leve-a à boca, passeando pelos seus pequenos lábios e bochechas, pois gradualmente ele levará a língua para fora e começará a lamber as mãos e dedinhos;
  • Tente acomodá-lo no ninho sempre com as mãos perto da cara - o momento canguru é também uma ótima altura para o colocar nessa posição;
  • Com o seu dedo lavado (se for necessário colocar uma luva) vá tocando ao redor dos lábios do seu bebé e dexe que ele tente abocanhá-lo (este é o chamado reflexo de procura) e assim comece a chuchar (o chamado "suckling") fazendo pressões na língua e/ ou no palato. Simplesmente deixe-o brincar com o seu dedo!
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Caso não tenha a possibilidade de ser avaliado por um Terapeuta da Fala, conte com o apoio indispensável da equipa de Enfermagem que cuida do seu bebé e, salvaguardando sempre que este se encontra clinicamente estável, discuta com a mesma a possibilidade e quais os melhores momentos para poder estimular a sucção não-nutritiva do seu bebé. 





Então se chucha bem significa que mama bem? Já é possível alimentá-lo por boca?

Não necessariamente. Existe uma diferença muito clara entre a sucção não-nutritiva e a sucção nutritiva que acontece na presença do alimento na cavidade oral, apresentando uma boa coordenação da tríade sucção + deglutição + respiração, movimentos mais lentos, organizados e ritmados, com sugadas de forte pressão intraoral que lhe permita retirar o alimento da mama da Mãe, da seringa, da sonda-dedo ou da tetina. 

Assim, conseguimos perceber que sugar é muito diferente de chuchar! É nesta fase que a maioria dos prematuros apresenta maiores dificuldades. 


O que fazer quando ele já puder comer por boca?

Porque todos os bebés são diferentes e especiais, também existem diferentes formas de os ajudar. É aqui que o Terapeuta da Fala entra novamente e, em conjunto convosco, estabelece um plano de intervenção, dando-vos todas as estratégias e orientações para poderem ajudar o vosso bebé a perceber o "mecanismo" para uma boa refeição por via oral. 

A introdução da alimentação por via oral vai depender de todos os fatores atrás referidos, sendo que esta deva ser realizada de forma progressiva de acordo com as competências orais, respiratórias e gástricas do prematuro. Assim, após avaliação das estruturas orais/ reflexos orais/ sucção não-nutritiva/ sinais de alerta, o Terapeuta inicia um programa de estimulação da sucção nutritiva controlada, que pode ser desde o uso de sonda-dedo, à sonda-tetina/ chucha ou por meio de translactação controlada. Posteriormente, e se o bebé apresentar uma boa coordenação da sucção + deglutição + respiração, avança-se para a estimulação da sucção nutritiva orientada (onde se auxilia e condiciona as pausas e ritmo de sucção consoante necessidade) até à autónoma (onde o bebé poderá mamar livremente na mama ou tetina).


Tudo isto vai depender das necessidades e caraterísticas do vosso bebé e mesmo depois de já ter iniciado alimentação via oral, existem sinais de alerta a ter em conta: 
  • Presença de ruídos (sucção e/ ou deglutição excessivamente sonorizadas);
  • Prematuro agitado, desorganizado e choroso, perdendo o vedamento labial frequentemente;
  • Bochechas do prematuro encovadas em cada sucção;
  • Desperdício excessivo de leite pelas comissuras labiais (cantos da boca);
  • Pausas longas entre sucções;
  • Sucções superficiais e rápidas sem pausa para respirar;
  • Persistência na posição elevada lingual, bloqueando a entrada do mamilo/ tetina;
  • Engasgos ou tosse sucessivos;
  • Lacrimejo do bebé durante a mamada;
  • Esforço evidente ao deglutir.
Se o seu bebé apresenta algum destes sinais durante a refeição fale com o seu Médico Assistente, Pediatra ou Enfermeiro.

Se o bebé prematuro teve dificuldade em mamar, vai ser sempre difícil para comer?

Não necessariamente. Não existem estudos claros que liguem as dificuldades alimentares ocorridas no período neonatal, com perturbações da alimentação e do comer, quer seja em prematuros ou recém-nascidos de termo. Aquilo que sabemos é que um bebé em que as primeiras experiências orais vivenciadas tenham sido menos positivas, com historial de engasgamentos, vómitos, recusa por mal-estar abdominal, uso prolongado de outra via de alimentação ou trauma cirúrgico têm maior probabilidade de desenvolver perturbações a nível sensorial onde se inclui as de foro sensório-motor oral, pondo em risco o bom desenvolvimento da alimentação (como é o caso dos bebés prematuros). 

Por isso, antes e depois de iniciar a alimentação complementar deve dar ao seu bebé prematuro todo o mundo de boas e positivas experiências orais. Eis alguns exemplos daquilo que pode fazer:
  • Brincar com as próprias mãos/ pés é um conhecimento do seu corpo e de si mesmo;
  • O uso de mordedores e brinquedos, manuseando diferentes solos e diferentes temperaturas, ajudam numa melhor aceitação sensorial;
  • Deixe-o fazer parte da vossa refeição sentando-o à mesa convosco (mesmo que este ainda não tenha iniciado a alimentação complementar). Comer não é apenas um ato de nutrição... Os olhos e as mãos também comem, não é verdade?
  • Deixe-o brincar com o alimento! Deixe-o explorar os diferentes alimentos nos seus diversos paladares/ formas/ temperaturas/ consistências: observando, apalpando, tocando. cheirando, lambendo... Utilize todos os sentidos para melhor conhecer aquilo que futuramente irá comer

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Joana Caçoeiro