É capaz de ser um dos maiores medos atuais dos pais, algo que os faz recear por si e pelos seus, um medo com formato indistinto, feito ao molde de tudo o que a comunicação social lhes faz chegar a casa. Na verdade, os jornais e a televisão nem sempre explicam bem em que consiste esta temática.

A começar pelas palavras pedofilia e pedófilo, associadas à descoberta de crimes e penas de prisão. De facto, em Portugal ninguém é preso por ser pedófilo. E a razão para tal consiste no fato da palavra pedofilia consistir num termo clínico, definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um transtorno ou desvio do comportamento sexual em que há preferência sexual por crianças pré-púberes. Essa conceção é depois alargada, em termos psiquiátricos, pelo Manual DSM - Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (Associação Americana de Psiquiatria), a determinados critérios obrigatórios. Um pedófilo é, assim, um indivíduo com mais de 16 anos de idade que, durante pelo menos seis meses, possui fantasias, impulsos e comportamentos sexuais intensos que envolvem uma criança ou crianças com, no mínimo, menos cinco anos que a sua pessoa - sendo que isso lhe provoca sofrimento e dificuldades no seu funcionamento social, profissional ou inter-relacional.

Em bom rigor, é fácil perceber que um pedófilo pode nunca vir a ter determinadas práticas sexuais com crianças, podendo limitar-se às suas fantasias, nunca vindo por isso a cometer nenhum crime.

Na prática, enquanto pais e cidadãos, o que é efetivamente assustador é a possibilidade de alguém que nos seja próximo poder vir a ser vítima de Abuso Sexual, independentemente de o agressor encaixar no enquadramento clínico do conceito de pedofilia. Portanto, o que nos interessará reduz-se às definições legais, ou seja, ao que se encontra inscrito na Lei Penal e que corresponde à descrição do que, na sociedade em que estamos inseridos, é um crime.

Quando pensamos sobre esta temática devemos ter em atenção que qualquer pessoa pode ser vítima de agressão sexual, independentemente da sua idade, género ou estatuto social. Da mesma forma, também o agressor sexual pode corresponder a qualquer pessoa, por mais próxima ou amiga que ela seja (tenha sido ou pareça ser) da vítima.

De uma forma muito geral, a Lei Penal portuguesa divide os crimes sexuais essencialmente pela idade da vítima: até aos 16 anos, os crimes sexuais são atentados contra a autodeterminação sexual e a partir dos 16 anos, os crimes sexuais são atentados contra a liberdade sexual. Entende-se assim que até aos 16 anos (que consiste, no nosso país, na idade em que se atinge a maioridade Penal), a pessoa ainda não tem experiência de vida ou maturidade para decidir acerca do ato sexual, de tudo o que ele representa ou alcança.

Desta forma, não obstante o facto de, a partir dos 16 anos, se valorizar essencialmente a vontade de participar e concordar com o ato sexual, exigindo o crime que estes atos sejam praticados contra a vontade da vítima (e, logo, contra a sua liberdade), antes dos 14 anos não é necessário que a vítima sequer consinta ou aceda a práticas sexuais. Em resumo, qualquer ato de natureza sexual praticado por um indivíduo maior de 16 anos com, em ou perante um menor de 14 anos (exclusive), é sempre Crime - independentemente da vontade que este menor possa ter ou parecer ter tido nos atos.

O crime de Abuso Sexual de Crianças engloba, na sua versão mais gravosa, as relações sexuais (orais, vaginais ou anais) propriamente ditas, bem como a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos e propostas pornográficas; o exibicionismo de práticas sexuais (mesmo que em livro, filme, foto); a realização de material pornográfico com o menos; a prática de qualquer ato sexual ou toque sexual (apalpões, carícias, beijos). Por aqui se conclui que um indivíduo adulto (maior de 16 anos) pode abusar de uma criança sem sequer chegar a tocar-lhe...

Embora não seja necessário, para a prática deste crime, que a vítima seja a ele submetida pela força, ameaça grave, coação ou colocação num estado de incapacidade para oferecer resistência, quando tal acontece, o ato encontra-se tipificado na Lei como crime de Violação (um crime contra a liberdade sexual) e, pelo facto de a vítima ser menor, é considerando ainda mais gravoso. Outras circunstâncias podem ainda agravar o crime de Abuso Sexual, como sendo o facto de o agressor ser familiar próximo da vítima, possuir uma doença sexualmente transmissível, dos atos resultar gravidez, entre outras.

É de salientar que a denúncia de uma suspeita de crime de Abuso Sexual de Crianças é obrigatória por Lei, sendo a sua investigação - sempre a cargo da Polícia Judiciária - de caráter prioritário. As pessoas que dele suspeitam de forma consistente e racional devem sempre denunciá-lo, mesmo que não tenham comprovativo da sua prática. Quem dele tenha conhecimento deve disponibilizar-se para o auxílio à investigação, mesmo que, numa primeira análise, tenha receio ou sinta que poderá ser prejudicado devido a isso - afinal, a proteção do outro é uma resposabilidade de todos nós, acrescida quando se trata de uma criança.

Não será difícil de compreender, porém, que a adolescência é uma zona particular e que, mesmo na matéria dos crimes sexuais, a Lei olha para ela de uma forma um tanto ou quanto diferente - basta pensar no resultado dos últimos estudos da OMS, que situam por entre os 14 e 15 anos a idade de início de atividade sexual. Introduzido assim na parte correspondente aos crimes contra a autodeterminação sexual, existe o crime de Atos Sexuais com Adolescentes, praticado quando a vítima tem entre 14 e 16 anos e o agressor possui mais de 18 anos. Neste caso, o ato (qualquer ato sexual) presume que se tenha de abusar da inexperiência da vítima. No caso deste crime, a denúncia e decisão de desejar a investigação criminal encontra-se a cargo dos responsáveis legais pela vítima (em grande parte das ocasiões, os seus pais).

Desengane-se ainda quem considere que um menor de 16 anos, com 15 por exemplo, nunca poderá ser responsabilizado pela prática de um crime de Violação. A situação será reportada, investigada e analisada pelo Tribunal de Família e Menores, através da Lei Tutelar Educativa, podendo ao agressor ser aplicada uma medida de internamento institucional.

Em jeito de conclusão poder-se-á dizer que a análise aos crimes sexuais previstos na Lei Portuguesa está longe de ficar concluída nestas linhas, que pretendem somente ser uma explicação orientadora daquilo em que de facto consiste o Abuso Sexual de Crianças enquanto prática criminal. Saliente-se que tem sido uma área da Lei em constante mutação. Basta pensar que o crime não existia, de todo, antes de 1995. Diferente é equiparar à inexistência dos comportamentos. É mais que óbvio que atos como os que atualmente são considerados crimes já eram praticados antes dessa data, só a forma de os olhar e de perceber as consequências que daí advinham é que se foi alterando, levando também à adaptação do Código Penal em Portugal. As mentalidades transformam-se, dão à infância o direito ao seu estatuto especial de proteção, o reconhecimento de que uma criança pertence à sociedade e ao mundo, representa o futuro de um e de outro...